O ano de 2023 mal começou, e investidores brasileiros já enfrentaram fortes emoções. Conforme contamos aqui nesse texto, a varejista Americanas viu suas ações caírem mais de 80% após a divulgação de uma inconsistência contábil no seu balanço, que adicionou cerca de R$ 20 bilhões ao endividamento da empresa – levando à renúncia de seu CEO e CFO (empossados há apenas 9 dias).

Mas, para a surpresa de muitos, não foram só investidores de ações AMER3 que sofreram com o ocorrido. Os dias que sucederam a divulgação do Fato Relevante da Americanas foram também marcados pela queda de diversos fundos de investimento em renda fixa, inclusive em alguns usados como reserva de emergência por investidores.

Quer entender qual a relação desses eventos? Confira a seguir.

Como o caso Americanas afetou os fundos de renda fixa

Como explicamos nesse texto, fundos de investimento podem investir em diferentes tipos de ativos, como ações, renda fixa, moedas, e outros ativos financeiros. Mas como poderia um fundo de renda fixa, que realiza investimentos apenas nessa classe de ativo, cair por conta de um evento que impactou as ações de uma empresa?

Isso ocorreu, pois não foram só as ações emitidas pela Americanas na bolsa que caíram com a descoberta do rombo bilionário no balanço da empresa. Com o repentino aumento do endividamento da varejista, a elevação do risco de crédito da empresa impactou diretamente as dívidas emitidas pela Americanas no mercado de crédito – as famosas debêntures (ou crédito privado).

Quando o jogo (da dívida) virou

Quando falamos de dívida, a maneira de avaliar a relação entre risco X retorno de um investimento pode passar pela análise de agências de classificação de risco de crédito – as famosas agências de rating. Tais empresas avaliam a qualidade de empresas emissoras de dívida no mercado, classificando-as de acordo com seu nível de risco para o investidor (seja ele um fundo de investimento ou pessoa física).

No caso da Americanas, a empresa era avaliada por três principais agências de classificação de risco de crédito (rating): S&P Global, Fitch Ratings e Moody’s.

Até o dia 11 de janeiro, essas agências classificavam a Americanas com nota de crédito superior ao rating soberano (no caso, acima de BBB-, na escala global). Ou seja, uma classificação acima da observada atualmente nos títulos públicos, emitidos pelo governo federal.

Essa classificação até então por parte das principais agências de rating explica a presença de dívidas emitidas pela varejista no portfolio de fundos de investimento de crédito com mandato para investir em papeis de maior qualidade (classificados como High Grade).

Entretanto, após a divulgação do Fato Relevante pela Americanas, a situação mudou. Ficou claro que o nível de endividamento até então considerado por investidores e agências de rating não era compatível com a realidade financeira da empresa. No caso, tudo apontava para um quadro bem pior.

Assim, o aumento de percepção de risco de crédito impactou rapidamente inúmeros fundos de investimento em renda fixa com exposição às debêntures emitidas pela empresa – que enfrentaram forte desvalorização de suas cotas, como ilustrado no gráfico abaixo.

Vale destacar que a queda foi ainda mais acentuada pelo fato de que, diferente do mercado acionário, que possui volume e número de negociações diárias elevadas, o mercado de crédito privado conta com número limitado de papeis. Essa limitação pode trazer restrições de venda de dívidas (ao mercado secundário), especialmente em momentos de estresse elevado, impactando de forma considerável a precificação desses ativos.

Nesse contexto, nos dias subsequentes à divulgação do Fato Relevante, as três agências de classificação de risco rebaixaram a nota de crédito da Americanas para além do nível especulativo na escala de classificação de crédito.

Por que os fundos caíram? A marcação a mercado explica

O esperado aumento do endividamento ou mesmo o rebaixamento da nota de crédito da empresa não significam que suas dívidas deixaram de ser pagas – a menos, não até o momento. Desta forma, como os fundos de renda fixa foram impactados pelo movimento, se não tomaram um efetivo “calote”?

O movimento da queda nas cotas desses fundos é explicado pelo mecanismo de marcação a mercado. Ele se refere à atualização de preços que ocorre diariamente nas cotas de fundos de investimento, em ativos negociados na Bolsa e em títulos de renda fixa.

Marcação a mercado: o que é

De maneira simplificada, a marcação a mercado reflete a relação entre oferta e demanda pelos ativos negociados. Quanto maior a demanda por um ativo dada certa oferta, maior o preço – e vice-versa.

Assim, o ativo é precificado diariamente de acordo com as atuais condições do mercado daquele momento, independentemente do valor que foi pago pelo título originalmente ou do retorno fixado (se houver) para sua data de vencimento.

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Essa variação de preços em renda fixa também impacta os fundos que investem em títulos de renda fixa, principalmente naqueles que sofrem maior variação em seus preços, como debêntures – ou o famoso crédito privado. A reprecificação, por sua vez, causa variações no valor da cota do fundo.

Deste modo, como os títulos emitidos pela Americanas ficaram mais arriscados, os prêmios de risco subiram e os preços caíram – impactando, assim, as cotas dos fundos que possuíam papeis da empresa em suas carteiras.

Evite surpresas: onde investir sua reserva de emergência

Para além da discussão das Americanas e da gestão dos fundos que sofreram perdas diante desse fato inesperado, o evento serve de lembrete para algo muito importante: a alocação da sua reserva de emergência.

A reserva de emergência é o ponto de partida para entrar no mundo dos investimentos com segurança. Conquistar essa reserva é um marco na vida do investidor iniciante, que a partir daí passa a ter um colchão de segurança para imprevistos financeiros, permitindo maior conforto psicológico, saúde mental e qualidade de vida.

Assim, o investidor não deve procurar a maior rentabilidade para esse tipo de investimento. E sim, priorizar o retorno permitido dentro da maior previsibilidade, segurança e liquidez possíveis. 

Por isso, todo cuidado é pouco na hora de escolher seus investimentos para esse fim. E o “caso Americanas” só fortaleceu essa máxima.

Onde investir sua reserva de emergência

Em geral, por apresentam menor volatilidade quando comparados a outras classes, fundos de renda fixa costumam estar presentes na carteira do investidor conservador, inclusive para o valor reservado para reserva de emergência.

Entretanto, como vimos, o mandato da renda fixa não é sinônimo de garantia de rentabilidade ou ausência de volatilidade – especialmente se a carteira do fundo incluir investimentos em títulos que tendem a ser mais voláteis, como os de crédito privado.

Assim, o investidor precisa estar atento às seguintes principais características ao escolher onde alocar a parcela do patrimônio destinada à reserva de emergência:

(i) prazo de resgate de no máximo D+1 (um dia útil), ou seja, alta liquidez;

(ii) baixo risco; e

(ii) baixo custo, considerando taxas de administração e custódia.

Para simplificar sua tarefa na escolha, listamos alguns ativos que recomendamos para essa função:

1 – Tesouro Selic – título público federal de renda fixa criado e disponibilizado através do Tesouro Direto. Ele tem rentabilidade pós-fixada que acompanha a variação da principal taxa do mercado financeiro: a Selic. Preferencialmente do vencimento mais longo disponível.

2- Trend Pós Fixado –  tem exposição ao índice DI por meio de uma carteira de ativos de renda fixa pós-fixada emitidos pelo governo (títulos de dívida pública federal). Aplicação inicial de R$ 100,00.

3- Trend DI FIC FIRF Simples – disponível para novos clientes, o fundo tem exposição ao índice DI através de uma carteira de ativos de renda fixa emitidos pelo governo (títulos de dívida pública federal). Aplicação inicial: R$ 100,00 – limite de alocação: R$ 100.000,00

4- Trend Cash – fundo que investe em títulos públicos federais e compromissadas. Aplicação inicial:  R$ 100,00.

5- CDBs emitidos por bancos sólidos, que remunerem no mínimo 100% do CDI e têm liquidez imediata (D+0), sem taxa de custódia.

Elaborado por:

Bruna Sene, CNPI-T 1847

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