A pergunta que dá título a esse texto tem atraído bastante atenção nas últimas semanas. Afinal, não é todo dia que portais de notícias por todo canto destacam a possibilidade de um calote da maior economia do mundo.

Assim, antes de qualquer coisa, vale destacar que a resposta dessa pergunta é: muito provavelmente, não! Porém, isso não significa que o impasse atual sobre a dívida pública americana deve ser ignorado. Muito pelo contrário. Até que se atinja uma solução permanente, esse tema deve seguir impactando o preço dos ativos e gerando volatilidade nos mercados mundo afora.

Abaixo, abordamos os principais detalhes desse imbróglio, e o que esperar adiante.

A Dívida pública americana

Assim como todos os outros países do mundo, o governo americano, emite dívida pública para se financiar. Ou seja, diante da necessidade de gastar mais para prover bens e serviços para a população (como segurança, educação e saúde) do que consegue arrecadar com impostos, o governo “pega emprestado”.

Esse empréstimo soberano é o que constitui a dívida pública, que é financiada por investidores ao redor do mundo por meio da compra de títulos públicos – as famosas Treasuries, nos Estados Unidos (equivalente aos nossos títulos do Tesouro aqui no Brasil).

Ainda, assim como no Brasil, a gestão da dívida pública é feita pela secretaria do Tesouro americano (como o nosso Tesouro Nacional). Enquanto isso, a definição da política de fiscal – ou seja, a destinação do orçamento do governo – é determinada pelo governo e pelo Congresso.

Deste modo, tanto o poder executivo hoje controlado pelo presidente Joe Biden, quanto os membros do Senado e da Câmara dos Deputados nos EUA fazem parte das decisões sobre a dívida americana.

O que é o teto da dívida dos EUA?

Embora o governo possa emitir dívida pública para se financiar, muitos países estabelecem limites para o nível de endividamento público – com o objetivo de evitar os impactos de uma alta percepção de risco fiscal, como explicamos em detalhes nesse texto.

No Brasil, por exemplo, temos uma série de leis e regulações que tratam sobre o tema do endividamento e das contas públicas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a regra de ouro. Atualmente, um dos principais temas no cenário econômico brasileiro é justamente a aprovação de um novo arcabouço fiscal, por meio do qual pretende-se substituir a lei do teto de gastos como principal balizadora para o crescimento das despesas públicas no longo prazo.

Nos Estados Unidos, não é muito diferente. Porém, ao invés de limitar o total das despesas, a lei americana determina um limite para a dívida pública em si.

Assim, o teto da dívida americana é o limite máximo que o governo pode emitir em novos títulos para honrar suas obrigações, como salários de servidores, investimentos públicos, programas sociais e os próprios juros da dívida pública.

Atualmente, o número máximo de dívida emitida pelos EUA não pode ultrapassar os US$31,4 trilhões. Esse valor representa um aumento de 42,7% em relação a 2019, antes das medidas extraordinárias relacionadas à pandemia, e 250% maior que 2007, antes da Grande Crise Financeira.

Ou seja, como podemos ver no gráfico abaixo, esse limite vem sendo elevado repetidas vezes nos últimos anos, com forte alta desde o início dos anos 2000.

Qual o impasse atual?

O problema é que esse limite de endividamento atual foi atingido no final de janeiro, levando o Tesouro americano a recorrer a uma espécie de “reserva de emergência”, chamada Conta Geral do Tesouro (como falaremos adiante). Isso significa que, para continuar emitindo mais títulos e “rolando” sua dívida, o Tesouro americano precisa aumentar o limite do nível de endividamento permitido.

A única alternativa seria alguma espécie de “milagre arrecadatório extraordinário”, que enchesse os cofres públicos de tal maneira que não seria preciso emitir mais dívida. Porém, diante do nível do endividamento e de gastos de uma economia como a dos EUA, essa opção é virtualmente impossível.

E a elevação do teto da dívida requer aprovação do Congresso. Isso porque, embora o Tesouro Nacional seja uma entidade ligada ao Poder Executivo, estabelecer o limite de endividamento do país é uma atribuição do Poder Legislativo.

Geralmente, a Casa Branca envia ao Congresso uma proposta de aumento do teto acompanhada de um plano orçamentário. A proposta é, então, discutida e votada em diversas comissões do Congresso e encaminhada para votação em ambas as casas (Senado e Câmara). Uma vez aprovado o texto, ele volta para a Casa Branca para a sanção presidencial.

E é aí que entra o impasse: enquanto o governo Biden e seus aliados do Partido Democrata defendem uma elevação do teto da dívida sem contrapartidas, parlamentares do Partido Republicano exigem o comprometimento com o corte de gastos públicos para que aprovem uma elevação do limite.

No momento de produção desse texto, o Partido Republicano aprovou uma proposta de aumento de US$ 1,5 tri para a dívida – o que foi visto como um ponto inicial de negociação. O governo Biden, porém, tem se oposto à proposta da oposição, e não evoluiu com nenhuma proposta que possa gerar convergência.

O que acontece se o aumento do teto não for aprovado?

De maneira simplificada, caso não haja um acordo para elevar o teto da dívida, os recursos disponíveis pelo Tesouro dos EUA irão se exaurir. E isso terá duas consequências importantes: i) a paralisação do governo federal e; ii) o calote da dívida.

Isso porque, ao não emitir novos títulos (como faria normalmente), o Tesouro americano vem utilizando recursos da chamada “Conta Geral do Tesouro” – uma espécie de reserva de emergência criada para momentos de extrema instabilidade, que poderiam impedir ou tornar extremamente custosa a emissão de dívida.

Porém, esses recursos já caíram de US$ 447 bilhões para US$ 87 bilhões do final do ano passado para meados de abril. Caso o impasse do teto não seja solucionado, esse saldo irá a zero. Neste momento o governo poderá entrar em paralisação (government shutdown) e a prestação de diversos serviços governamentais será afetada. Servidores públicos deixam de receber seus salários e atividades consideradas não essenciais podem ser suspensas.

Em bom português: os EUA estariam dando um calote na dívida considerada mais segura do mundo!

Apesar desse cenário ser muito pouco provável, vale lembrar que episódios anteriores de impasses de elevação do teto da dívida elevaram bastante a volatilidade dos mercados, especialmente nos EUA.

Para ilustrar, durante a negociação do teto da dívida de 2011, um sentimento de aversão a risco tomou conta dos investidores tanto nos dias que antecederam a chamada X-Date (dia no qual o Tesouro ficaria sem recursos), quanto nos dias seguintes ao aumento no teto. No período entre 7 de julho e 8 de agosto daquele ano, a performance do principal índice de ações americano (o S&P 500) foi de -17.3%.

O que esperar?

Como vimos, o impasse em questão não se trata de uma questão de capacidade de honrar dívidas, ou mesmo vontade de honrar as dívidas, mas sim de um problema político. Não faltam credores dispostos a comprar as dívidas americanas, ao mesmo tempo que também não seria benéfico para o país um caos administrativo e os efeitos negativos de um calote.

Nesse cenário, acreditamos que haverá, sim, uma solução para o impasse do teto da dívida. Há diversas alternativas que vão desde um amplo acordo bipartidário (melhor cenário) até o uso da 14ª Emenda Constitucional (cenário no qual haveria muitas contestações judiciais e ainda mais polarização partidária), passando pela quase mitológica cunhagem de uma moeda de 1 trilhão de dólares ou até mesmo uma solução temporária, na qual um pequeno aumento do teto seria aprovado e as negociações acerca de um acordo maior se estenderiam por mais algumas semanas ou meses.

Os impactos de não haver um consenso e presenciarmos um histórico default da dívida americana, mesmo que temporário, seriam bastante significativos. Um sentimento de aversão a risco predominaria e, num momento econômico no qual diversos países estão sob o risco de entrar em recessão ao mesmo tempo que ainda lutam a batalha contra a inflação, vemos um cenário bastante negativo para os ativos de risco.

Em suma: apesar de não vermos o “calote histórico” como um cenário provável, este deve seguir como mais um risco no radar de investidores. Assim, continuamos sugerindo cautela e carteiras de investimento com postura defensiva, especialmente quando se trata de exposição a ações americanas. Confira nossas recomendações completas de investimento de acordo com seu perfil de risco e política de investimento no “Onde Investir”.

Elaborado por:

Bruna Sene, CNPI-T 1847

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