Selic em alta x ações – Entenda os impactos | Escola de Investidores

Se você acompanha conteúdo sobre o mercado financeiro ou está atento aos seus investimentos, provavelmente já ouviu falar que a elevação dos juros impacta negativamente as ações. Mas você sabe exatamente o que está por trás dessa percepção? Você sabe qual é a relação entre os juros e as empresas da bolsa, e como está o cenário atual para essa classe de ativos (no caso, a renda variável brasileira)?  

Nesse texto, vamos explorar um pouco mais esse assunto. 

Os quatro principais impactos dos juros nas ações 

De forma resumida, podemos dizer que alterações na taxa básica de juros (a taxa Selic) tendem a impactar o mercado de ações por meio de quatro principais “canais”: 1) a desaceleração econômica; 2) a mudança na precificação do valor justo das ações; 3) o aumento do custo de crédito e endividamento de empresas; e 4) o aumento do custo de oportunidade de investimentos em ações frente a investimentos em renda fixa. Vamos entender cada um deles: 

1. Freio na economia 

No campo da atividade econômica, o efeito colateral da alta nos juros é o “freio” que ele impõe na própria economia, com o objetivo de desaquecer a demanda por bens e serviços e diminuir a pressão sobre os preços.  

Afinal, a taxa de juros é a principal ferramenta do Banco Central para controlar o ritmo de alta de preços (ou seja, a inflação) e o nível de aquecimento é um dos principais canais pelos quais as alterações nos juros atuam na economia.  

Dessa forma, a desaceleração no consumo pode se refletir no resultado das empresas, que tendem a reduzir seus lucros conforme a economia perde ímpeto. 

Nesse sentido, setores diferentes reagem de maneiras distintas às mudanças na Selic. As ações de empresas que atuam em setores mais sensíveis ao “sobe e desce” da economia, como o varejo e a construção civil, tendem a sofrer mais em períodos de elevação da taxa Selic. Afinal, esses setores tendem a crescer menos conforme a economia desacelera. Chamamos essas ações de “cíclicas”.  

2. Impacto na precificação das empresas 

Temos ainda o efeito dos juros na avaliação do preço justo das ações de empresas listadas na bolsa — o processo de valuation (ou avaliação de valor).  

Nesse processo, quanto maior for a taxa de juros, mais prejudicada tende a ficar a avaliação, já que os juros são usados no cálculo do que esperar em termos de performance das empresas no futuro (de maneira simplificada). Assim, quanto maior a taxa, menor o preço justo.  

O impacto dos juros no valuation (ou avaliação das empresas) 

Quando avaliamos uma empresa, usamos a fórmula de fluxo de caixa descontado (FCD), que serve para estimar o valor atual da empresa com base em projeções financeiras de quanto ela será lucrativa no futuro. 

A fórmula mais simplificada é a seguinte: 

FCD = Projeção de faturamento para o futuro ÷ (1 + taxa de desconto) elevado ao número do período 

Com juros mais altos, o custo de capital das empresas aumenta e isso significa que o custo para financiar operações e investimentos se torna mais caro. Ao descontar os fluxos de caixa futuros, uma taxa de desconto mais alta resulta em um valor presente menor, ou seja, um valor justo menor para a empresa.

Em resumo: Juros altos → Custo de capital aumenta → Taxa de desconto aumenta → Valor presente dos fluxos de caixa futuros diminui → Valuation da empresa cai.

Podemos dizer que o impacto dos juros nos preços das ações é praticamente “indireto”, visto que o desempenho delas tende a convergir para esse tal ‘valor justo’ ao longo do tempo. Mas essa estimativa é bastante volátil. 

3. Aumento do custo de crédito e endividamento das empresas 

Taxas de juros mais altas tornam o crédito mais caro e menos acessível. Esse é mais um fator que pode impactar negativamente as empresas. Além disso, o aumento do custo de capital pode levar a um aumento das despesas financeiras das companhias e redução das margens de lucro.  

Quando as taxas de juros estão mais elevadas, as empresas que possuem dívidas com taxas de juros variáveis veem suas despesas financeiras aumentarem. Isso ocorre porque os juros a serem pagos sobre essas dívidas aumentam, elevando o custo total da dívida. Com o aumento das despesas financeiras, a margem de lucro das empresas tende a diminuir.   

Outro fato ligado ao aumento do custo de capital, é a maior dificuldade das empresas para obter novos empréstimos, o que pode impactar no crescimento dessas companhias.  

Isso ocorre pois taxas de juros mais altas tornam os empréstimos mais caros, o que pode desestimular as empresas a buscar novos financiamentos para expansão, inovação ou até mesmo para a manutenção das operações. Pequenas e médias empresas, em particular, tendem a encontrar mais dificuldades para acessar esse crédito mais caro. Esse fator pode impactar negativamente o crescimento de longo prazo das companhias, visto que pode limitar os recursos destinados a inovação e consequentemente afetar a competitividade das empresas no mercado. 

Em casos mais extremos, as empresas altamente endividadas podem enfrentar riscos maiores de insolvência em um ambiente de altas taxas de juros. O aumento das despesas financeiras pode comprometer a capacidade de pagamento, levando a situações de inadimplência e, em casos extremos, à falência. 

De modo geral, taxas de juros mais altas podem desacelerar o crescimento das empresas, pois o crédito se torna mais caro e menos acessível. Quando o custo de financiamento aumenta, as empresas podem reduzir seus planos de expansão e investimentos em novos projetos, além de aumentar o custo de suas dívidas, o que pode levar a um crescimento mais lento ou até mesmo à estagnação. Portanto, esse é mais um fator que pode impactar negativamente as companhias, impactando ainda mais a avaliação de seu preço justo (o seu valuation.)  

4. Atratividade da Renda Fixa 

Outro fator que impacta as ações, é o fato de a alta de juros favorecer mais — em termos relativos — outras classes de investimento, especialmente a Renda Fixa. Assim, períodos de alta da taxa Selic costumem ser acompanhados de uma migração de investidores para ativos como fundos de investimento em renda fixa ou títulos de crédito privado, bancários e títulos soberanos (como o Tesouro Selic).  

Esses investimentos, que geralmente apresentam menor risco em comparação com a volatilidade das ações, tornam-se mais atraentes em um cenário de juros elevados.

Essa migração de investidores da bolsa para a Renda Fixa não apenas reduz a liquidez do mercado acionário (visto que há uma redução do número de investidores), mas também pressiona os preços das ações para baixo, resultando em um movimento de queda nos preços.

Além disso, a percepção de maior risco associado ao mercado acionário durante períodos de alta de juros pode intensificar essa tendência, à medida que os investidores buscam proteger seu capital e garantir retornos mais estáveis em um ambiente econômico desafiador. 

O cenário atual e a bolsa brasileira 

Mesmo considerando esses principais impactos para as empresas (e ações) em ciclos de elevação de juros, a expectativa de taxas mais elevadas no Brasil não impediu o rali recente das ações brasileiras. Como falamos aqui em detalhes, o Ibovespa registrou em agosto a maior alta mensal de 2024, mesmo com os investidores já precificando um novo ciclo de altas da taxa Selic — que se concretizou na reunião de setembro. 

Mas se o cenário de alta de juros tende a ser desfavorável para as ações, como podemos explicar a valorização do Ibovespa durante esse período, mesmo com os investidores já antecipando o aumento das taxas de juros? 

Um dos motivos por trás desse movimento positivo (apesar da expectativa de juros mais altos) é que os economistas estimam que o ciclo de alta nos juros brasileiros deve ser curto. Nosso time projeta uma elevação de 150 pontos base ao longo do ciclo de alta, fazendo com que a Taxa Selic termine o ano de 2024 em 11,75% e suba até 12% no início de 2025. 

Além disso, a expectativa de um novo ciclo de altas da Selic também teve impacto positivo no comportamento dos juros de longo prazo – ou seja, contribuindo para que investidores passassem a ver juros relativamente mais baixos no futuro.

Assim, embora parte desse movimento tenha se revertido (impactado por outros fatores, como a percepção de risco fiscal), a dinâmica sinaliza uma leitura geral de investidores de que ‘o remédio amargo’ da elevação das taxas no curto prazo deve ser benéfico para controlar os preços à frente, evitando a necessidade de altas de juros mais bruscas adiante. 

Podemos comparar períodos de elevação da Selic um tratamento médico: embora a aplicação de um remédio possa ser desconfortável no início, ele é essencial para restaurar a saúde a longo prazo, evitando a necessidade de intervenções mais drásticas no futuro. 

Outro fator que contribuiu para a alta recente na bolsa brasileira foi a entrada dos investidores estrangeiros. Os “gringos” foram compradores líquidos da nossa bolsa em julho e agosto deste ano (ou seja, compraram mais do que venderam ações brasileiras). E mesmo com a saída de investidores institucionais e pessoas físicas nesse período, a entrada de capital estrangeiro ajudou a sustentar a alta do Ibovespa. 

Nesse sentido, outro fator que contribuiu par a alta das ações da bolsa brasileira (mesmo com a alta os juros por aqui) é que o Ibovespa costuma ser um grande beneficiário de ciclos de queda de juros nos Estados Unidos, que é justamente o cenário que estamos vendo agora, o Fed (banco central americano) iniciou o ciclo de corte de juros na mesma reunião em que o Copom subiu a taxa Selic. 

Para ilustrar esse efeito positivo para a bolsa brasileira em ciclos de cortes dos juros americanos, nos últimos seis ciclos, as ações brasileiras apresentaram uma valorização média de 30% (em dólares) um ano após o primeiro corte, superando tanto emergentes quanto desenvolvidos. 

Ou seja, apesar de termos fatores domésticos negativos para as ações, o cenário externo é favorável para ativos de risco.  

E agora, o que podemos esperar para as ações brasileiras? 

Diante desse cenário, algumas questões ainda ficam em aberto: 

  1. Os fluxos estrangeiros continuarão com a queda de juros nos EUA?  
  1. Os investidores domésticos vão sair da Renda Variável em meio a taxas de juros brasileira mais alta (como já vimos em agosto)? 

Dito isso, sabemos que há oportunidades — independente da resposta a essas perguntas. Para ajudar a identificar em quais setores ou ações essas oportunidades podem aparecer, decidimos revisar como as ações brasileiras se comportaram em diferentes ciclos de alta dos juros nos últimos 20 anos — usando um método quantitativo de análise.   

Os resultados do estudo mostraram que durante os ciclos de alta de juros, certos setores tendem a superar significativamente o mercado.  

Esses setores incluem Bancos, Instituições Financeiras, Óleo, Gás e Petroquímicos, e Elétricas e Saneamento. Por outro lado, setores como Educação, Papel e Celulose e Imobiliário tendem a ter um desempenho inferior quando os mercados precificam sinais de alta, conforme podemos observar na tabela abaixo: 

Legenda: Variações positivas são indicadas como + ou ++, enquanto as negativas são representadas como – ou – -. Os contrastes de cores refletem a força do sinal. 

Portanto, a análise sugere que os setores com um desempenho acima da média em ciclos de alta de juros no Brasil, são aqueles que também consideramos os mais defensivos: Bancos, Instituições Financeiras e Elétricas e Saneamento. 

Em resumo, podemos afirmar que o cenário doméstico atual é desafiador para o investimento em renda variável, especialmente devido aos impactos negativos da alta de juros no Brasil. No entanto, é importante destacar que os investidores também consideram outros elementos que influenciam os preços dos ativos e o próprio investimento em ações — esses incluem o cenário externo, o comportamento histórico, os preços atuais e a seletividade no processo de alocação (ou seja, a escolha da sua carteira de ações). 

Portanto, nesse momento, seguimos com nossa recomendação de maior cautela e seletividade nas escolhas das ações e indicamos um portfólio considerado relativamente mais defensivo, focando em setores e empresas que tendem a performar melhor em ciclos de alta de juros no Brasil e buscando companhias que possuam maior qualidade em seu negócio, que sejam menos alavancadas (ou seja, menos endividadas) e possam ser mais resilientes diante do cenário atual. 

No mais, para quem deseja se manter atualizado sobre o cenário global da economia e investimentos, convidamos a conhecer nossas sugestões de ativos em cada classe. Acesse gratuitamente nosso relatório “Onde Investir em setembro de 2024” e descubra as melhores oportunidades de investimento de acordo com o contexto atual. 

Elaborado por:

Bruna Sene, CNPI-T 1847

1) Este relatório de análise foi elaborado pela Rico Investimentos, que é uma marca da XP Investimentos CCTVM S.A. (“Rico”) de acordo com todas as exigências previstas na Resolução CVM nº 20/2021, tem como objetivo fornecer informações que possam auxiliar o investidor a tomar sua própria decisão de investimento, não constituindo qualquer tipo de oferta ou solicitação de compra e/ou venda de qualquer produto. As informações contidas neste relatório são consideradas válidas na data de sua divulgação e foram obtidas de fontes públicas. A Rico não se responsabiliza por qualquer decisão tomada pelo cliente com base no presente relatório.

2) Este relatório foi elaborado considerando a classificação de risco dos produtos de modo a gerar resultados de alocação para cada perfil de investidor.

3) O(s) signatário(s) deste relatório declara(m) que as recomendações refletem única e exclusivamente suas análises e opiniões pessoais, que foram produzidas de forma independente, inclusive em relação à Rico e que estão sujeitas a modificações sem aviso prévio em decorrência de alterações nas condições de mercado, e que sua(s) remuneração(es) é(são) indiretamente influenciada por receitas provenientes dos negócios e operações financeiras realizadas pela Rico.

4) O analista responsável pelo conteúdo deste relatório e pelo cumprimento da Resolução CVM nº 20/2021 está indicado acima, sendo que, caso constem a indicação de mais um analista no relatório, o responsável será o primeiro analista credenciado a ser mencionado no relatório.

5) Os analistas da Rico estão obrigados ao cumprimento de todas as regras previstas no Código de Conduta da APIMEC para o Analista de Valores Mobiliários e na Política de Conduta dos Analistas de Valores Mobiliários do Grupo XP.

6) Os produtos apresentados neste relatório podem não ser adequados para todos os tipos de cliente. Antes de qualquer decisão, os clientes deverão realizar o processo de suitability e confirmar se os produtos apresentados são indicados para o seu perfil de investidor. Este material não sugere qualquer alteração de carteira, mas somente orientação sobre produtos adequados a determinado perfil de investidor.

7) A rentabilidade de produtos financeiros pode apresentar variações e seu preço ou valor pode aumentar ou diminuir num curto espaço de tempo. Os desempenhos anteriores não são necessariamente indicativos de resultados futuros. A rentabilidade divulgada não é líquida de impostos. As informações presentes neste material são baseadas em simulações e os resultados reais poderão ser significativamente diferentes.

8) Este relatório é destinado à circulação exclusiva para a rede de relacionamento da Rico. Fica proibida sua reprodução ou redistribuição para qualquer pessoa, no todo ou em parte, qualquer que seja o propósito, sem o prévio consentimento expresso da Rico.

9) SAC. 0800 774 0402. A Ouvidoria da Rico tem a missão de servir de canal de contato sempre que os clientes que não se sentirem satisfeitos com as soluções dadas pela empresa aos seus problemas. O contato pode ser realizado por meio do telefone: 0800-722-3730.

10) O custo da operação e a política de cobrança estão definidos nas tabelas de custos operacionais disponibilizadas no site da Rico: https://www.rico.com.vc/custos. 11) A Rico se exime de qualquer responsabilidade por quaisquer prejuízos, diretos ou indiretos, que venham a decorrer da utilização deste relatório ou seu conteúdo. 

12) A Avaliação Técnica e a Avaliação de Fundamentos seguem diferentes metodologias de análise. A Análise Técnica é executada seguindo conceitos como tendência, suporte, resistência, candles, volumes, médias móveis entre outros. Já a Análise Fundamentalista utiliza como informação os resultados divulgados pelas companhias emissoras e suas projeções. Desta forma, as opiniões dos Analistas Fundamentalistas, que buscam os melhores retornos dadas as condições de mercado, o cenário macroeconômico e os eventos específicos da empresa e do setor, podem divergir das opiniões dos Analistas Técnicos, que visam identificar os movimentos mais prováveis dos preços dos ativos, com utilização de “stops” para limitar as possíveis perdas. 

13) Antes de qualquer decisão, os clientes deverão realizar o processo de suitability e confirmar se os produtos apresentados são indicados para o seu perfil de investidor.