Imagine que você emprestou o seu dinheiro para um amigo. No dia seguinte, descobriu que esse amigo deixou toda a grana que está com ele (mas pertence a você) dentro de um carro conversível, com a capota aberta, no meio da cidade, totalmente exposto aos olhares de qualquer transeunte. Você voltaria a emprestar para esse amigo? Se voltasse, teria a mesma confiança ou cobraria mais caro?
De uma forma exageradamente literal, essa metáfora ajuda a explicar o que aconteceu com os títulos de dívida pública brasileiros em vários momentos dessas duas últimas semanas. Os fortes rumores de quebra no teto de gastos levam às alturas a desconfiança em relação aos ativos brasileiros – e, consequentemente, suas taxas.
O gráfico abaixo mostra o que estou falando: é a evolução das taxas pagas pelo Tesouro Prefixado 2023 nos últimos 30 dias. Um movimento forte de repique começa justamente no dia 11 de agosto, quando vieram à tona as primeiras notícias sobre a possibilidade de o governo furar o teto em 2021.
Os dias que as taxas vão no sentido contrário são aqueles em que o rumor é desmentido (e o mercado confia). Essa queda brusca do dia 17 para o dia 18 coincide com o momento em que o ministro Paulo Guedes afirmou não ter motivos para desconfiar quando Bolsonaro diz que não vai descumprir a regra, momento que ficou informalmente conhecido como um dia do “fico” do ministro. Mas o movimento segue errático.
Por que isso acontece?
Primeiro, um pouco de contexto. Agosto é o mês em que o governo precisa enviar sua proposta de Orçamento Anual para o Congresso, que, por sua vez, tem até o final do ano para avaliar e aprovar o que for apresentado. Por isso a intensidade dessa discussão agora.
Como os trâmites do orçamento duram ainda mais alguns meses, devemos ver esse tema mexer muito com o mercado até dezembro.
O que é o teto de gastos?
Desde 2016, o regime fiscal brasileiro não permite que as despesas primárias do governo cresçam acima da inflação – ou seja, em termos reais, esses gastos são congelados. Não existe nenhum limite para as despesas individualmente, mas sim do total.
Com a crise causada pela pandemia, o governo se viu obrigado a flexibilizar parte das normas para garantir um orçamento emergencial. Os estímulos já somam mais de R$ 500 bilhões e devem aumentar a relação entre a dívida nacional e o PIB brasileiro em 20 pontos percentuais em um ano. Mesmo assim, o teto de gastos segue em vigor em 2020: as despesas emergenciais usam os chamados créditos extraordinários, que não entram na conta do teto.
Futuro incerto
Para o ano que vem, o cenário está mais nebuloso. De um lado, Paulo Guedes tenta conduzir o governo de volta à agenda de reformas estruturais. Do outro, alguns ministros veem espaço para ampliar os investimentos em infraestrutura e emplacar uma agenda de aumento de gastos para além de 2020.
Vale lembrar que o auxílio emergencial ajudou o presidente Bolsonaro a atingir seu maior grau de popularidade nas últimas pesquisas.
E é com esse pano de fundo que começaram os rumores que inflaram os prêmios do Tesouro Direto nos últimos dias.
“Opa, legal, vou investir com mais prêmio!”
Você pode pensar que esse aumento nos prêmios pagos pelo Tesouro é positivo, porque permite que você invista em renda fixa com maior rentabilidade. Mas isso é ver apenas uma parte do cenário: no todo, se o governo aumenta demais os seus gastos, ele está tomando mais dívida, e o mercado não gosta disso.
Em uma entrevista recente, Armínio Fraga, ex-presidente do BC e sócio da Gávea Investimentos, fez as contas: o Tesouro terá que captar no mercado financeiro nos próximos 12 meses um volume de dinheiro equivalente a 46% PIB para refinanciar os títulos que vencem no período, pagar os juros que incidem sobre o saldo da dívida e bancar ainda o altíssimo déficit previsto para as contas.
Um cenário como esse, vale lembrar, espanta investidores, principalmente estrangeiros, que já tiraram R$ 45 bilhões do mercado brasileiro neste ano. Isso resulta em um ambiente econômico menos irrigado de dólares e mais “truncado”: sem investimentos, empresas não crescem e empregos não são gerados.
De acordo com a pesquisa “LatAm Fund Manager Survey”, do Bank of America, a fatia de gestores que elencaram a questão fiscal como o principal risco no Brasil subiu de 53%, em julho, para 67% este mês.
Em tempo: vale lembrar que, como conversamos em um outro Insight recente, mesmo com esse cenário, não é necessário se preocupar com um eventual calote do governo.
Só para não esquecer, continuamos com a maior parte das dívidas em reais, o que torna fácil lidar com elas. Também temos prazos e credores relativamente diversificados; o Tesouro vem se preocupando em emitir menos dívida a taxas muito altas (focando na venda de LFT – Tesouro Selic); e o colchão de liquidez, uma das ferramentas mais importantes para manter essa segurança, acabou de receber autorização para um repasse de recursos do BC.