(Por: Marcella Ungaretti e Luiza Aguiar)

As mudanças climáticas estão causando impactos físicos cada vez mais frequentes e intensos. Isso significa que precisamos agir rapidamente para nos adaptar e nos tornar mais resilientes. Embora os investidores estejam começando a considerar esses riscos em suas decisões, ainda é difícil medir exatamente como esses impactos afetam o valor das ações das empresas.

Nesse sentido, com este conteúdo buscamos ajudar os investidores a identificar, através da nossa avalição proprietária, a exposição dos diferentes setores da Bolsa aos principais riscos climáticos.

As frequentes ondas de calor: a Terra está esquentando

As emissões de dióxido de carbono (CO2) superaram os 37 bilhões de toneladas em 2022 (+527% em relação aos níveis de 1950). As emissões continuaram a crescer em 2023, e cientistas já estão apontando para uma maior intensificação nos próximos anos.

Como resultado, a Terra está esquentando, com a temperatura média global atingindo 14,98°C, a mais alta desde o início dos registros em 1850, superando em 1,15% o recorde anterior de 2016.

Analisando 2024 até o momento, cientistas da Berkeley Earth revelaram uma chance de 60% de que ele supere 2023.

Não diferentemente, o Brasil também está enfrentando tais efeitos. 2023 foi o ano mais quente já registrado por aqui, com a temperatura média no país atingindo 24,92°C. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelam que o número de dias com ondas de calor saltou para 52 dias ao ano entre 2011 e 2020, em comparação a média de 7 dias entre 1961 e 1990.

 

² Brasília, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, São Luis, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte.

Eventos climáticos extremos estão se tornando mais frequentes

O aquecimento global está alterando a frequência de eventos climáticos extremos. Dados apontam que os eventos globais de desastres aumentaram de cerca de 100 na década de 1970 para cerca de 400 eventos anuais nos últimos 20 anos, com o Brasil também vivenciando eventos climáticos recordes em 2023.

Os riscos climáticos físicos estão em ascensão, mas o progresso na adaptação a esses riscos ainda varia. Mudanças nos riscos físicos induzidos pelo clima, como secas, inundações e furacões, variam por região: enquanto algumas áreas enfrentarão perigos já existentes, mas intensificados, outras enfrentarão novos riscos anteriormente desconhecidos.

No Brasil, as ondas de calor tornaram-se mais prolongadas, com as regiões Norte e Nordeste particularmente afetadas.

Eventos recentes que podem ter se intensificado pelas mudanças climáticas

Eventos climáticos são cada vez mais frequentes no Brasil. Durante grande parte do ano passado, o Brasil enfrentou ondas de calor, secas e chuvas excessivas, refletindo, em grande parte, os impactos do fenômeno El Niño*, além do fortalecimento do aquecimento global. No total, as perdas econômicas causadas por desastres no país totalizaram ~R$ 25 bilhões no último ano.

As mudanças climáticas dobraram a probabilidade de chuvas extremas no sul do Brasil

Como exemplo recente, a chuva sem precedentes que ocorreu no Rio Grande do Sul em maio de 2024 foi considerada o maior evento climático extremo da história do estado.

De acordo com a World Weather Attribution (WWA), que é uma iniciativa internacional que analisa e comunica como as mudanças climáticas podem influenciar eventos climáticos extremos, a tragédia foi causada pela combinação de um “rio voador” que transportava umidade da Amazônia, uma massa de ar quente de alta pressão estacionada sobre o centro e sudeste do país que bloqueou as frentes frias no RIO Grande do Sul (RS) e a influência de um El Niño enfraquecido.

Em geral, os cientistas da WWA2 revelaram que: (i) a chuva intensa no RS foi duas vezes mais provável devido às mudanças climáticas; e (ii) o evento foi extremamente raro e espera-se que ocorra uma vez a cada 100-250 anos.

Incêndios recordes atingem o estado de São Paulo; Condições climáticas possivelmente aceleraram a propagação do fogo

Nas últimas semanas do mês de agosto, incêndios florestais atingiram os campos de cana-de-açúcar no norte do estado de São Paulo, lançando nuvens de fumaça no ar que rapidamente se espalharam para as cidades próximas.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, estima que os danos gerais às plantações, propriedades e atividades canavieiras podem chegar a R$ 1 bilhão – em contexto, São Paulo é o maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, respondendo por aproximadamente 55% do cultivo do país, de acordo com dados da Conab1. Para a Defesa Civil, o risco contínuo de queimadas deixou diversas cidades em alerta durante toda a semana.

De acordo com a Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), cerca de 60.000 hectares de plantações foram afetados. Nosso time estima que os principais impactos nas empresas incluem:

(i) São Martinho (SMTO3): cerca de 20.000 hectares de cana-de-açúcar foram danificados.

(ii) Raízen (RAIZ4): estimativas sugerem que aproximadamente 1,8 milhão de toneladas de plantações próprias e de fornecedores foram afetadas, representando 2% do total previsto para a safra de 2024/25, com base no limite inferior da suposição de esmagamento total.

Nossa visão sobre os incêndios: Embora as causas exatas dos incêndios não tenham sido confirmadas, as autoridades governamentais suspeitam que atividades criminosas possam tê-los provocado. As condições do clima, exacerbadas pelos crescentes efeitos das mudanças climática – incluindo temperaturas altas, ventos fortes e uma estação mais seca que o esperado – provavelmente contribuíram para a rápida e extensa propagação dos incêndios.

Como citamos aqui, temperaturas recordes e o aumento da intensidade e frequência de eventos climáticos extremos estão atingindo o mundo, ampliando a vulnerabilidade climática.

Em nossa visão, embora todos os setores estejam, até certo ponto, ameaçados pelo agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, alguns setores enfrentam o maior risco, incluindo o setor de agronegócios, com sua exposição significativa a riscos climáticos físicos, como secas, incêndios florestais, altas temperaturas e escassez de água.

De modo geral, esses incêndios colocam mais uma vez as mudanças climáticas em evidência, reforçando a importância de uma maior integração dos riscos climáticos nos portfólios de investimento, valendo a pena monitorar no futuro.

Avaliando a exposição dos setores aos riscos climáticos

Para ajudar os investidores a melhor avaliar o nível de exposição de cada setor/subsetor aos riscos climáticos, os analistas setoriais do nosso time de Research avaliaram os riscos climáticos físicos e de transição, os quais falaremos a seguir.

Duas categorias de riscos. Ao avaliar os impactos e os riscos financeiros dos eventos climáticos nos setores, vale a pena considerar a metodologia da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras (TCFD), que classifica os riscos em duas categorias: riscos físicos ou de transição.

Risco Físico: ameaças imediatas provenientes do meio ambiente que são exacerbadas pelas mudanças climáticas, causando danos físicos a ativos, pessoas, propriedades e infraestrutura crítica.

Risco de Transição: riscos decorrentes de custos comerciais potencialmente mais altos decorrentes de novas políticas, leis, tecnologias e/ou tendências de consumo, que também podem levar a controvérsias de reputação.

Todos os setores estão, até certo ponto, ameaçados, mas alguns setores enfrentam o maior risco.

Exemplos de riscos relacionados com o clima e seus potenciais impactos financeiros:

Riscos Físicos
  Crônicos Agudos
Riscos Climáticos – Mudanças nos padrões de precipitação e variabilidade extrema nos padrões climáticos
– Aumento das temperaturas médias
– Aumento do nível do mar
– Aumento da gravidade de eventos climáticos extremos, como ciclones e enchentes
Impactos Financeiros Potenciais – Redução da receita devido à diminuição da capacidade de produção
– Redução da receita e aumento dos custos devido a impactos negativos na força de trabalho
– Baixa e aposentadoria antecipada de ativos existentes
– Aumento dos custos operacionais
– Aumento dos custos de capital
– Redução da receita decorrente da diminuição das vendas/da produção
– Aumento dos prêmios de seguro e possibilidade de redução da disponibilidade de seguro para ativos em locais de “alto risco”
Fontes: Rico, XP Research, BCG, CDP e Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD)
Riscos de Transição
  Reputação Mercado Tecnologia Político e jurídico
Riscos Climáticos – Mudanças nas preferências dos consumidores – Estigmatização do setor – Aumento da preocupação dos stakeholders ou feedback negativo dos stakeholders – Mudança no comportamento do cliente – Incerteza nos sinais do mercado – Aumento do custo das matérias-primas – Substituição de produtos e serviços existentes por opções com menos emissões – Investimento malsucedido em novas tecnologias – Custos de transição para tecnologias de baixo carbono -Aumento do preço das emissões de GEE – Aumento das obrigações de registro de emissões – Obrigações e regulamentação de produtos e serviços existentes – Exposição a litígios
Impactos Financeiros Potenciais – Redução da receita devido à diminuição da demanda por bens/serviço – Redução da receita devido à diminuição da capacidade de produção – Redução da receita devido a impactos negativos na gestão e no planejamento da força de trabalho – Redução na disponibilidade de capital – Redução da demanda por bens e serviços devido à mudança nas preferências dos consumidores – Aumento dos custos de produção devido a mudanças nos preços dos insumos e nos requisitos de produção – Mudanças bruscas e inesperadas nos custos de energia – Mudança no mix e nas fontes de receita, resultando em diminuição da receita – Reavaliação do preço dos ativos -Baixa e aposentadoria antecipada de ativos existentes – Redução da demanda por produtos e serviços – Despesas com pesquisa e desenvolvimento de tecnologias novas e alternativas – Investimentos de capital em desenvolvimento de tecnologia – Custos para adotar/implantar novas práticas e processos – Aumento dos custos operacionais – Baixas, redução de ativos e baixa antecipada de ativos existentes devido a mudanças de políticas – Aumento de custos e/ou redução da demanda por produtos e serviços resultantes de multas e julgamentos
Fontes: Rico, XP Research, BCG, CDP e Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD)

Os setores mais vulneráveis

Enquanto alguns setores estão mais expostos a exigências regulatórias, outros estão mais preocupados com o risco imediato de perda de ativos por danos físicos. Independentemente das particularidades, todos os setores estão, de certa forma, ameaçados pelo agravamento dos efeitos das mudanças climáticas e devem considerar esses riscos no curto e longo prazo.

Riscos físicos e de transição por setor dentro da nossa cobertura

Fonte: XP Research

Maior exposição a riscos físicos

Devido à maior frequência de desastres naturais, calor ou estresse hídrico, os riscos climáticos físicos representam uma ameaça tangível, especialmente para ativos, fábricas e produção agrícola. Olhando para a análise do nosso time, os setores que enfrentam a maior exposição aos riscos climáticos físicos são Papel & Celulose; Agro e A&B; e Mineração & Siderurgia. Entre os fatores de risco comuns para as empresas sob a nossa cobertura nesses setores no Brasil, destacam-se: seca, enchentes e tempestades.

Maior exposição a riscos de transição

Os riscos de transição podem incluir diversos fatores, incluindo o aumento de mandatos legais e de políticas, novas tecnologias, transformações de mercado e maiores preocupações com reputação.

De modo geral, enquanto esses riscos representam importantes desafios, eles também oferecem novas oportunidades de investimento, impactando os modelos de negócios a longo prazo. Na avaliação do nosso time, os setores mais vulneráveis aos riscos de transição são os de O&G, Mineração & Siderurgia e Transportes. Os principais riscos de transição incluem o aumento dos custos das matérias-primas, ao aumento da preocupação de stakeholders e à aceleração da substituição dos produtos existentes para alternativas de baixo carbono.

Os planos das empresas: ainda em estágios iniciais

A escalada dos impactos físicos está forçando empresas e governos a priorizar esforços de adaptação para ajudar a preencher a lacuna de adaptação climática. Embora as empresas estejam cada vez mais incentivadas a atender às demandas regulatórias gerenciar vulnerabilidades relacionadas ao clima, elas ainda estão em estágios iniciais de adaptação, o que pode deixá-las potencialmente despreparadas para enfrentar os riscos climáticos.

Você sabia que existem índices na B3 que buscam filtrar as empresas mais comprometidas com fatores como emissão de carbono? E é possível negociar diretamente esses índices através de ativos como os ETFs. Confira aqui a nossa lista com os principais ETFs negociados no Brasil.