Recentemente, foi sancionado o projeto de lei (PL) do Desenrola, programa do Governo Federal para ajudar na negociação de dívidas. Com isso, o programa, que antes estava vigente por meio de uma Medida Provisória, passa a ser regulamentado por lei.
O grande destaque da aprovação, no entanto, foi a discussão sobre o teto dos juros do crédito rotativo oferecido por instituições financeiras. A partir de 3 de janeiro de 2024, o valor total de juros cobrados por atrasos no pagamento do rotativo do cartão de crédito não pode superar 100% do valor original da dívida. Se você deve R$ 100 no cartão de crédito, por exemplo, poderá pagar no máximo R$ 200, já incluindo juros e encargos financeiros.
Nesse texto, vamos abordar os assuntos a seguir:
- O que é crédito rotativo?
- O que muda com o teto do rotativo?
- Como fica o teto do rotativo na prática?
- Portabilidade da dívida do cartão de crédito
- Qual o impacto do teto do rotativo para os bancos?
- Qual o impacto do teto do rotativo para o cliente?
- Por que é importante sair do rotativo?
- Qual o objetivo do PL sancionado?
O que é crédito rotativo?
O crédito rotativo do cartão de crédito é oferecido ao cliente quando ele não faz o pagamento total da fatura até a data de vencimento. Nesse caso, o cliente paga parcialmente a fatura e o valor que não foi pago se transforma em um empréstimo — e passa a acumular juros enquanto não é quitado. Afinal, toda dívida tem um custo.
Esse é um crédito sem garantia e sem muitas informações sobre o cliente; por isso, é mais arriscado para a instituição financeira, que cobra juros mais altos pelo serviço. Para se ter uma ideia, o custo médio do crédito rotativo para pessoa física no Brasil atingiu 434,41% ao ano em novembro de 2023 , segundo dados do Banco Central (BCB).
O alto custo também está relacionado ao elevado nível de inadimplência desse tipo de operação, que está entre as mais altas dentre os produtos de crédito. Com quase metade das operações em atraso, a dinâmica do crédito rotativo é, então, marcada por um ciclo vicioso em que os altos juros alimentam a inadimplência, e vice-versa.
Essa linha de crédito também é usada pelos bancos para custear o parcelado sem juros, que é o pagamento de um produto ou serviço em parcelas (o famoso “em apenas 10x sem juros”). Esse tipo de pagamento é atualmente a principal fonte de receita para os emissores de cartões de crédito, e por isso o mercado acompanha de perto possíveis mudanças na modalidade.
Mas parcelado não é sempre sem juros?
A resposta curta para a pergunta acima é: não.
Já a resposta longa pode ser resumida da seguinte forma: o parcelado sem juros é usado pelas lojas e prestadores de serviços para impulsionar as vendas, já que permite que o cliente divida sua compra em pagamentos que caibam no seu orçamento mensal.
Esse tipo de operação, no entanto, tem um custo que não fica explícito para o comprador. Isso porque o custo de desvalorização do dinheiro no tempo (já que o efeito da inflação faz os 100 reais hoje não valerem o mesmo que 100 reais daqui a 12 meses) acaba sendo embutido no preço final do produto.
Além disso, o vendedor geralmente paga uma taxa para a maquininha do cartão para poder fazer transações desse tipo — o que também entra no preço. Assim, lojistas e prestadores de serviços tendem a embutir o custo relacionado ao parcelado no próprio preço daquilo sendo vendido.
O que muda com o teto do rotativo?
Com o limite regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN, órgão responsável por questões de regulação no mercado financeiro), “o total cobrado em cada caso a título de juros e encargos financeiros não poderá exceder o valor original da dívida” — ou seja, o teto da dívida será o equivalente ao dobro do principal. Se você deve R$ 100 no cartão de crédito, por exemplo, poderá pagar no máximo R$ 200, já incluindo juros e encargos financeiros.
Como fica o teto do rotativo na prática?
Usando a regra de que o valor a ser pago em juros não pode ultrapassar o valor financiado, fizemos a simulação abaixo:
Valor da fatura do cartão | R$ 1.000 |
Data de vencimento | 01/02/2024 |
Pagamento realizado | R$ 150 (15% do total) |
Valor financiado (rotativo) | R$ 850 |
Taxa de juros (média segundo BCB) | 434% ao ano |
No dia 1º (data do vencimento), o cliente paga 15% do valor total da sua fatura do cartão de crédito. Com isso, ele automaticamente entra na linha de crédito rotativo para financiar os R$ 850 restantes — e será cobrado em 434% ao ano para isso.
Atualmente, o prazo máximo que um cliente pode ficar no rotativo é de 30 dias. Ou seja, no próximo dia 1º, ele tem três saídas:
- Pagar os R$ 850 que faltaram mais os juros (de uma só vez) e sair do rotativo;
- Refinanciar esse valor com uma linha de crédito parcelada, seja dentro da própria fatura ou fora da fatura por meio de um crédito pessoal (consignado ou não). Essas modalidades, em sua grande maioria, oferecem juros mais baixos; ou
- Não pagar nada e ficar inadimplente
Caso o cliente não pague nada (opção 3), ele fica inadimplente e começa o mês devendo os juros referentes aos 30 dias em que já ficou no rotativo. Portanto, supondo que ele decida pagar a dívida após 90 dias inadimplente, a taxa de 434% ao ano será aplicada nesse período.
Importante observar que 434% é a taxa para um ano, e o cliente deve apenas 90 dias. Portanto, a taxa incorrida nesse caso seria de 52% — o que dá R$ 442 em juros, abaixo do valor original da dívida. Nesse exemplo, então, não haveria mudanças após a regra do teto do rotativo entrar em vigor.
Portabilidade da dívida do cartão de crédito
Além de oficializar a regra para o teto de juros em janeiro, o CMN instituiu a portabilidade do saldo devedor do cartão de crédito, que não estava na lei do Desenrola. Essa exigência entrará em vigor em 1º de julho segundo informações da Agência Brasil.
Com a portabilidade, clientes que tenham dívida no cartão de crédito (tanto pelo pagamento de mínimo quanto parcelamento de fatura) poderão transferi-la de uma instituição para outra que ofereça melhores condições de renegociação. Ou seja, você pode buscar as melhores condições de pagamento dessa dívida no mercado e fazer a transferência da sua dívida para quem tiver a melhor oferta.
Caso a instituição atual (onde está a dívida) queira fazer uma contraproposta, ela deve oferecer o mesmo prazo de pagamento do banco proponente (para onde você pretende levar a dívida). Segundo o Banco Central, a ideia é que você possa comparar as taxas das duas propostas de maneira transparente. A portabilidade será gratuita.
Qual o impacto do teto do rotativo para os bancos?
Segundo regulamentação do BCB, bancos só podem reconhecer como receita em seu resultado os encargos cobrados em até 60 dias de atraso.
Ou seja: ainda que o cliente atrase mais que 90 dias (30 dias do primeiro vencimento de fatura + 60 conforme a regra do BCB), o valor acumulado de juros não vai impactar no lucro dos bancos. No exemplo anterior, vimos que, usando a taxa média do rotativo, a taxa a ser cobrada do cliente ainda fica abaixo do limite estabelecido na nova lei.
Para os bancos, que só podem reconhecer receita de juros de até 60 dias, o impacto do teto do rotativo de até 100% do principal é imaterial (supondo que a taxa média dessa linha de crédito não se altere). Portanto, não esperamos que a sanção impacte os lucros ou as ações dos bancos.
Além disso, o tempo médio de permanência no rotativo é de cerca de 20 dias — abaixo dos 90 que usamos no exemplo. Portanto, resultaria em juros ainda mais distantes do novo teto.
Qual o impacto do teto do rotativo para o cliente?
Se o impacto de um teto para os juros do rotativo seria, por ora, imaterial, por que a discussão sobre o tema? Em especial, por conta do impacto não tão imaterial assim para os consumidores.
Primeiro, porque embora os juros utilizados em nosso exemplo tenham ficado abaixo do teto (ainda que altos), o valor de 434% ao ano é apenas uma média das taxas praticadas no mercado.
Para se ter uma ideia, essa taxa chega a alcançar os 1.000% ao ano (ou 22% ao mês). Os juros cobrados na modalidade de crédito rotativo variam de acordo com o score de crédito do cliente, do relacionamento com o banco e do apetite ao risco da instituição (ou seja, quanto de risco ela está disposta a correr ao emprestar dinheiro).
Assim, considerando o valor de 1.000% ao ano de juros, a taxa incorrida em 90 dias seria de 135% — dessa vez, bem acima do limite. Por isso, ainda que o teto estabelecido pareça ser muito alto, ele deve sim impactar nos juros praticados efetivamente pelos bancos, tendo o potencial de reduzir o efeito bola de neve dos pagamentos em atraso.
Por que é importante sair do rotativo?
Vale destacar que, mesmo diante de um teto limitando os juros para o rotativo do cartão de crédito, a melhor opção é sempre negociar a sua dívida junta a instituição financeira.
Isso porque, apesar de sabermos que todas as dívidas são acrescidas de juros, o que muita gente não sabe é que os juros cobrados do variam muito, a depender da modalidade de crédito.
Isso significa que, muitas vezes, você pode optar por uma dívida com juros menores.
Comparamos na tabela abaixo a evolução de uma dívida de R$ 1.000, de acordo com o crédito rotativo e com outras modalidades de crédito: cheque especial, crédito parcelado, e empréstimo pessoal sem consignado (dados de agosto de 2023). Vale destacar que o exercício não considera cobranças de encargos e multas, considerando apenas os juros cobrados no período.
Como podemos ver acima, o rotativo segue vitorioso no pódio de modalidade de crédito mais cara do país. Em seguida, vemos o parcelamento (da fatura do cartão de crédito), que por determinação do Banco Central, precisa oferecer melhores condições de pagamento ao cliente do que o rotativo.
Assim, caso você entre em uma dívida de cartão de crédito, é melhor parcelar desde o início, e já saber de antemão o quanto será cobrado mês a mês.
Porém, como também vemos na tabela acima, uma opção melhor seria negociar um empréstimo pessoal (mesmo que você não tenha a opção de fazer consignado, o que exige certos requisitos como emprego fixo formal), que apresenta os menores juros médios relativos.
Isso acontece, pois ao negociar um empréstimo, a instituição financeira passa a ter mais informações sobre você, suas condições financeiras e profissionais, e não precisa “considerar que esse dinheiro não será pago nunca”. Em economia, chamamos isso de assimetria de informações. Quanto menos informações a instituição tiver de você, mais ela irá cobrar para te emprestar — afinal, melhor prevenir do que remediar (no caso, levar um calote), não é mesmo?
Qual o objetivo do PL sancionado?
Conforme o relator do projeto, o programa estabelece normas para facilitar o acesso ao crédito e diminuir a inadimplência e o superendividamento. Isso deve ser feito tanto pela renegociação de dívidas por meio do programa Desenrola, quanto pela limitação da cobrança de juros na modalidade de crédito rotativo.
Segundo informações da Agência Senado, uma redução do endividamento deve contribuir para a diminuição da inadimplência. A medida, de acordo com os argumentos oficiais do projeto, deve ajudar famílias a reequilibrarem suas finanças e estabelecerem relações mais saudáveis com dinheiro, promovendo um consumo responsável e evitando ciclos intermináveis de dívidas.
Vale destacar, entretanto, que a implementação de um limite para os juros do rotativo pode, eventualmente, impactar a modalidade de parcelamento sem juros de compras no cartão de crédito — muito utilizadas no país. Isso porque, como falamos acima, essa modalidade de crédito tende a ser usada por bancos para custear o “parcelado sem juros”.
Dito isso, endividar-se além da conta às custas de pagamentos parcelados por longos períodos tampouco deve ser uma estratégia central da gestão de sua vida financeira.
Elaborado por:
Bruna Sene, CNPI-T 1847
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