A quebra do SVB, na última sexta-feira (10), é a maior falência de uma instituição financeira nos Estados Unidos desde a crise de 2008. O banco, fundado em 1983 para atender especialmente à empresas de tecnologia que começavam a aparecer no Vale do Silício, foi fechado pelos reguladores americanos no mesmo dia.

O fechamento do SVB, e de outro banco de médio porte americano, o Signature Bank de NY, acabaram chamando muita atenção e alimentando preocupações entre investidores no mundo todo. Especialmente com todo mundo de olho em “deja-vus” da crise de 2008.

Mas, antes de falar porque vemos hoje como uma situação diferente da eclosão da grande crise financeira global de 2008, vamos pro começo.

Quem era o SVB?

Como você deve imaginar pelo nome e breve histórico acima, o SVB era um banco especializado em startups e empresas de tecnologia. Ou seja, era um banco que tinha empresas desse setor como a maioria esmagadora de seus clientes.

Entre 2020 e 2021, com taxas de juros muito baixas ao redor do mundo, o apetite a risco dos investidores aumentou na busca por maiores retornos. Em meio à pandemia de Covid-19, a demanda por serviços de tecnologia também aumentou, fazendo com que startups recebessem grandes aportes — e o SVB cresceu junto com seus clientes. De acordo com o Net Interest, o valor de depósitos bancários no SVB mais que triplicou entre o fim de 2019 e o primeiro trimestre de 2022 (versus um crescimento de apenas 37% no setor bancário em geral).

É nesse ponto que entra grande parte da raiz dessa crise, e o motivo pelo qual o banco efetivamente “quebrou”: onde o banco investia esses depósitos?

Por que o SVB quebrou?

Para cumprir com a regulação vigente americana e ter ativos e passivos equilibrados, a gestão do SVB optou pela compra em grandes quantidades de títulos do governo (bonds), além de títulos privados e de hipotecas (MBS).

Entretanto, como falamos, os juros naquele momento estavam em patamares historicamente baixos – com o objetivo de estimular a economia diante da pandemia da Covid-19. Assim, a decisão foi pela aquisição de títulos com vencimento de longo prazo, por possuírem rendimentos maiores.

Aqui entra um detalhe técnico, mas importante: boa parte desses ativos foram contabilizados como o que chamamos de “Held to Maturity” (Mantidos até o Vencimento). Isso significa que esses títulos são marcados pelo preço de aquisição, não pelo preço de mercado – ou seja, não seguindo o mesmo movimento de marcação a mercado que temos no Brasil. Assim, mesmo que o preço desses títulos caísse, isso não aparecia no balanço dos bancos a cada trimestre. Afinal, em tese eles seriam segurados até o vencimento.

Até aí, tudo ok! Porém, o que o banco não contava é que a inflação no país atingiria o patamar mais alto dos últimos 40 anos. E que, como resposta a forte pressão sobre os preços, o Banco Central americano engataria um forte e rápido ciclo de elevação de juros na maior economia do mundo.

Ao mesmo tempo, e até parte da consequência da alta de juros, grande parte das empresas de tecnologia (clientes do banco) viram o jogo virar, suas ações caírem, suas perspectivas piorarem com o fim do “dinheiro barato” no mundo, o fim do boom tecnológico da pandemia e a desaceleração da economia americana.

Nesse cenário, muitas empresas se voltaram para o banco pra sacar depósitos – pressionando o SVB a vender parte dos seus ativos, de modo a honrar os saques demandados.

Como muitos desses ativos estavam sendo marcados ao preço de aquisição (conforme o mecanismo de “Held to Maturity”), a venda destes acabou ocasionando um verdadeiro “rombo” na empresa. Afinal, quando vendidos à preço de mercado, os títulos valiam substancialmente menos do que registrados no balanço – por conta justamente do efeito da elevação de juros no preço dos títulos de longo prazo (conforme exemplo fictício ilustrado abaixo).

Explicamos mais sobre o que é e quais os efeitos da marcação a mercado nesse texto.

O que se viu em seguida foi um clássico exemplo de uma corrida bancária, quando os clientes correram para sacar os seus depósitos o mais rápido possível, com medo do que ia acontecer com o banco. Essa corrida foi acelerada pelo mundo digital, onde as transações são feitas via um celular ou computador, sem a necessidade de o cliente ir até a agência.

Corrida aos bancos e o fundo garantidor

Uma das formas mais comuns de um banco falir é pela corrida aos bancos (em inglês, bank run). Esse movimento acontece quando há a junção de dois fatores: 1) o cenário macroeconômico piora, levando as pessoas e empresas a recorrer aos seus depósitos e poupanças; e 2) o banco não tem ativos suficientes para pagar seus clientes caso todos decidam sacar suas economias, já que esse valor já foi utilizado na operação.

A corrida para sacar dinheiro acaba sendo uma profecia autorrealizável: quanto mais gente retira suas economias, maior o medo do banco não ter mais ativos para pagar aos seus clientes, e por isso mais pessoas vão ao banco para sacar o que têm depositado o mais rápido possível.

Foi isso que aconteceu na Crise de 1929 nos EUA, o que levou à criação do FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), órgão federal garantidor de depósitos bancários, semelhante ao FGC no Brasil, com cobertura de até US$250 mil.

O desafio do FDIC, no caso do SVB, foi que 90% dos depósitos do banco eram acima desse valor. Ou seja, não seria o suficiente.

O que já foi feito?

Dois dias após o anúncio do rombo do SVB, vimos a quebra de mais um banco, este especializado em criptoativos, o Signature Bank NY, também fechado pela autoridade regulatória por conta de problemas de liquidez – assim como um terceiro banco, que seguiu o mesmo caminho.

Porém, vimos também vimos a atuação rápida do governo americano.

O Banco Central (Fed) e o governo anunciaram a garantia de todos os depósitos de clientes dos bancos em intervenção, além da implementação de uma linha de crédito com base em garantias de ativos líquidos, mas marcados a valor de face. O detalhe final (de considerar o valor de face dos ativos) ajuda a atenuar o efeito de marcação mercado nos ativos, com o objetivo de reduzir a probabilidade de uma crise sistêmica.

A possibilidade de uma nova corrida bancária nos bancos pequenos e médios nos EUA foi reduzida após esse rápido anúncio das autoridades americanas. Porém, o evento certamente seguirá trazendo novas repercussões.

Impactos na economia global

É comum que muitos investidores tracem paralelos entre o que estamos vendo agora e o que vimos na crise de 2008, se indagando: será que teremos outra crise financeira global, como vimos acontecer há 15 anos? Como bem sabemos, a crise que começou no coração do mercado imobiliário americano acabou cascateando para uma grande crise financeira (envolvendo muitas instituições além de bancos), e uma grave crise econômica.

Por ora, tudo aponta que não viveremos as mesmas consequências.

Primeiro, porque evoluímos muito em termos de regulação do sistema bancário desde a eclosão da crise de 2008. Tanto à nível do sistema americano, quanto à nível internacional, a regulação de maneira geral no tocando ao sistema financeiro e bancário especificamente se tornou mais rigorosa, elevando o escrutínio e o detalhamento de regras e boas práticas, justamente para evitar nossas crises naquela proporção. A criação do arcabouço da Basileia III é exemplo disso.

Além disso, a rápida atuação do governo ajudou a estancar a crise de confiança que se gerou com os bancos regionais americanos, reduzindo a possibilidade de uma nova corrida bancária nos bancos pequenos e médios nos EUA.

Enquanto isso, do ponto de vista macroeconômico, um dos possíveis impactos dessa crise pode ser justamente na postura do Banco Central americano. Como contamos aqui em mais detalhes, o Fed segue firme em seu tom bem duro contra a inflação desde o início da forte alta de juros, com expectativas de investidores ao redor do mundo que a taxa básica de juros ainda passe por elevações, se mantendo alta por um “bom tempo”.

Assim, não devemos esperar uma mudança de postura do Fed, caso a crise seja contida nas próximas semanas, e não gere maiores efeitos no sistema bancário americano.

Por outro lado, caso a incipiente crise se estenda, de modo a tornar-se um desafio e sistêmico na economia americana, podemos ver uma mudança de postura do Fed – e até uma possível reversão do aperto monetário, na direção da redução dos juros. Afinal, a elevação dos juros está no cerne de toda essa crise, como falamos até aqui.

Impactos no Brasil

Quando pensamos em impactos no Brasil, é claro que uma crise mais generalizada poderia nos impactar de maneira negativa. Afinal, não somos isolados do mundo! Além disso, o sentimento de aversão ao risco entre investidores tende a ser mais sentido em países emergentes, considerados mais arriscados, como nós aqui no Brasil, e uma desaceleração na economia global pode derrubar preços de commodities – também nos prejudicando.

Já em relação ao cenário de juros por aqui, a crise adiciona certo grau de incerteza. Se, por um lado, uma pausa nos juros nos EUA (ou até mesmo reversão de altas) pode contribuir para menores pressões de juros por aqui, um cenário de maior aversão ao risco, “fuga para ativos de qualidade” e forte desaceleração global podem pesar negativamente em nossos ativos – incluindo a taxa de câmbio, impactando a inflação.

Dito isso, nosso sistema financeiro segue em sua grande maioria sólido e líquido, nos trazendo relativa estabilidade, conforme detalhamos abaixo.

O impacto do SVB sobre o sistema financeiro brasileiro

O aperto monetário do Fed afetou todos os bancos, mas algumas especificidades da operação do SVB acabaram piorando a situação da instituição:

  1. Baixa proporção de empréstimos concedidos em relação aos depósitos
  2. Base de clientes muito homogênea e concentrada
  3. Regulação flexível: apesar do SVB ser o 16º maior banco do país, ele não teve que cumprir o requerimento de liquidez de curto prazo do Federal Reserve

No geral, os bancos brasileiros sob nossa cobertura têm números saudáveis de empréstimos em relação aos depósitos. Dado que a atividade principal de um banco é justamente conceder crédito, quanto maior esse número, melhor. A maior exceção é o Nubank, que ainda tem algumas reservas no Banco Central pós-IPO recente; porém, após as devidas correções, o indicador se aproxima do nível observado no Banco Inter, também considerado saudável.

Razão de empréstimo por depósitos, no 4º trimestre de 2022 (em %)

*para Inter, valor é do 3º trimestre de 2022. Fonte: Companhias e XP Research

Em termos de exposição à dinâmica da marcação a mercado e à elevação de juros, os bancos locais também geram ganhos negociando títulos do governo, mas esse valor ainda é menor que a própria operação de crédito das instituições. Além disso, o governo brasileiro, diferente do americano, emite títulos pós-fixados e de prazo mais longo. Assim, os bancos brasileiros têm a opção de investir em títulos cujo preço sofre menos durante ciclos de aperto monetário (como o que vivemos agora).

Olhando para a liquidez de curto prazo, os grandes bancos brasileiros superam com margem larga a exigência de manter o índice acima de 100%. Assim, mesmo em um cenário pressionado por saques de depósitos, bancos incumbentes estão bem posicionados para atender às possíveis demandas por liquidez.

Assim, embora o evento no SVB deva aumentar a percepção de risco dos bancos em todo o mundo, vemos os bancos brasileiros bem posicionados para superar possíveis pressões negativas, em grande parte por: i) manterem indicadores de balanço saudáveis; ii) expectativa de manutenção da Selic em 13,75% (com grande parte dos efeitos do aperto no ciclo monetário já refletindo nos números); e iii) ações já estarem negociando a preços muito descontados, que devem amortecer futuras quedas;

O que fazer com meus investimentos?

Finalmente: e os investimentos? Como falamos, tudo indica que o sistema financeiro americano e global estão mais preparados e saudáveis para enfrentar eventos como o que aconteceu com o SVB, do que já estiveram historicamente.

Porém, é claro que: 1) há um risco considerável de que essa crise desencadeie em um movimento mais sistêmico e grave; e 2) o ocorrido alimenta o sentimento de aversão ao risco entre investidores, impactando o mercado como um todo.

Por isso, não é hora de se afastar do planejamento de longo prazo dos seus investimentos — nem saindo à procura de aventuras, nem entrando em pânico generalizado. Pelo contrário, o momento agora é de manter a cautela, e principalmente a diversificação entre ativos e geografias, que irão te ajudar justamente a equilibrar esse balanço de riscos tão volátil.

No mercado de ações brasileiro, isso significa se manter investido em ações de boas empresas, que geram caixa, pagam dividendos, e são de setores que consigam navegar em tempos mais turbulentos, como: 1) Commodities, 2) Empresas com crescimento secular e 3) Empresas de qualidade que estão negociando a preços razoáveis.

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Elaborado por:

Bruna Sene, CNPI-T 1847

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