Aquele-Cujo-Nome-Não-Deve-Ser-Pronunciado, Você-Sabe-Quem, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Estamos falando de Voldemort, o mais poderoso bruxo das trevas? Não, muito pior… estamos falando sobre INFLAÇÃO.

No Brasil, essa palavra estremece muita gente, que inclusive vivenciou a hiperinflação entre a década de 1980 e 1990, com seu ápice em março de 1990, quando o índice de inflação atingiu 80%. Após 7 planos econômicos, ela chegou ao fim em 1994.

Os(as) caros(as) 13 leitores(as), que, assim como eu, tinham 3 anos em 1994, talvez não sintam o tão comum calor na espinha ao ouvir Você-Sabe-Quem, mas é difícil não se preocupar com o nosso poder de compra, não é mesmo?

E um fator chave na determinação da inflação são as expectativas das pessoas em relação à inflação futura. Se as empresas e os consumidores esperam uma inflação futura, isso pode se tornar uma profecia autorrealizável. Se os trabalhadores esperam uma inflação futura, é mais provável que eles barganhem por salários mais altos para compensar o aumento do custo de vida.

Mas calma, não precisamos panicar, como o Rony Weasley acima.

De fato, temos alguns fatores que pressionam os preços ao consumidor:

  1. Estímulos fiscais e monetários que sustentam o consumo (demanda);
  2. A forte alta no preço das commodities, não acompanhada pela valorização do real -> commodity em dólar mais cara e dólar mais alto = preço em reais muito altos;
  3. A recomposição de margens nos segmentos de serviços -> com a reabertura da economia, as pessoas voltaram a demandar mais serviços. E, como consequência desse “interesse” maior, alguns estabelecimentos (como bares e restaurantes) puderam cobrar mais para compensar o tempo fechado e para compensar o aumento dos custos; e
  4. O descasamento entre oferta e demanda (muita demanda e falta de oferta) de bens industriais pressionam preços ao consumidor.

E a aceleração da inflação no segundo semestre deste ano impulsionada especialmente por alimentação e energia elétrica, implica um aumento de despesas obrigatórias acima da projetada para o ano que vem, por conta da indexação constitucional do salário mínimo e da Previdência. Na mesma linha, a manutenção da desoneração da folha* em alguns setores também representa despesa obrigatória não contemplada na proposta de orçamento (PLOA) enviada ao Congresso em agosto, que prevê gastos exatamente em linha com o teto.

*Dicionário Economês: A Desoneração da Folha de pagamentos é um benefício fiscal que consiste na substituição do imposto incidente sobre a folha de salários por uma contribuição incidente sobre a receita bruta, reduzindo a carga tributária devida pelas empresas, que consequentemente diminui a arrecadação do governo.

A saber: a PLOA prevê despesas obrigatórias em R$ 1,4 trilhão (acima de 90% do total), e discricionárias (passivas de corte) em R$ 112 bilhões (ou pouco mais de 7% do total).

Isso significa que, conforme nos aproximemos no segundo semestre, o Executivo possivelmente se verá obrigado a fazer cortes sensíveis. Considerando a proximidade do final do governo (a partir de outubro, estaremos a menos de 1 ano da eleição presidencial), a pressão sobre o arcabouço fiscal (que no economês significa dívida do governo) será intensa.

Este momento coincidirá, segundo nossas projeções, com a inflação corrente e a taxa de desemprego em seu ponto mais elevado. Diante desta realidade, e considerando a inflação bem baixa que observamos no início de 2020, o IPCA em 12 meses deve subir até meados do ano que vem, superando 5,5%.

No último trimestre, a inflação deve recuar, à medida em que os resultados pressionados deste fim de ano saiam da estatística, enquanto a ociosidade da economia*, especialmente no mercado de trabalho, deve colaborar para a queda do IPCA no segundo semestre de 2021.

*Dicionário economês: ociosidade da economia é a atividade econômica em estado de “bexiga murcha”. Tem espaço para encher mais, mas a bomba de ar está sem força.

Mas, para que a inflação caia realmente, é preciso também que as expectativas de inflação fiquem ancoradas (relembrando aqui sobre a profecia autorrealizável mencionada no começo da nossa conversa: o que esperamos sobre a inflação futura pode impactar na inflação corrente).

Ainda temos pela frente um bom período de inflação corrente pressionada, além das incertezas fiscais – ambas variáveis que historicamente afetam as expectativas de inflação, mesmo as de mais longo prazo. Por ora, apesar da dispersão das projeções para 2021, as projeções para 2022 coletadas pelo relatório Focus do Banco Central vêm se mantendo estáveis, o que é uma boa notícia. Esta será uma variável chave nos próximos meses.

Outro ponto importante é que a alta da inflação tem preocupado pouco o Banco Central. A autoridade monetária destaca que o choque é temporário, citando o relevante hiato do produto* e as expectativas de inflação ancoradas como fatores para manter o núcleo da inflação dentro ou abaixo da meta no horizonte relevante de política monetária. Desta forma, nós, e a maioria do mercado, não projetamos altas de juros pelo menos até o segundo semestre do ano que vem.

*Dicionário economês: análogo a sua tentativa de voltar a correr depois da pandemia. Você sabe que você tem o potencial de correr 10km, mas atualmente, dadas as circunstâncias, está conseguindo fazer só 4km. O hiato do produto é isso: a diferença entre o PIB atual (sua corrida de 4km), vs o seu potencial (sua corrida de 10km).

O cenário fiscal é sim um risco. Se houver mudança no regime atual, especialmente na regra do teto de gastos, que comprometa a estabilidade da dívida pública, o BC pode subir os juros antes do esperado. Mas esse não é nosso cenário base para 2021.

Veja o que esperamos abaixo e saiba como proteger seus investimentos da inflação no Rico Matinal de amanhã.