*por Giant Steps
Na sexta edição da parceria entre a Rico e a Giant Steps, vamos nos aprofundar no assunto que levantamos no artigo “Quant Pra Quê te Quero” do mês passado: desmistificar o termo “quantitativo” – dessa vez na prática. Ao final do artigo, esperamos que você conclua que, apesar de não ter se dado conta, boa parte do seu patrimônio já estava sendo gerido de forma “quant”. Boa Leitura!
Aqueles que já leram nossos artigos ou assistiram alguma de nossas palestras sabem que sempre falamos que os fundos “quant” não existem. Dividir fundos entre “quant” e “não-quant” seria o mesmo que dividir fundos em grupos que o gestor usa ou não o Excel. Todo gestor, em maior ou menor grau, usa tecnologia no seu processo. Por isso, como determinar quão “quant” é a sua gestora?
Pense nisso: se todos os fundos “quant” fossem iguais, ou seja, tivessem a mesma estratégia, por que eles teriam resultados tão diferentes? Até mesmo entre os próprios fundos da Giant não há correlação (tire como prova concreta a correlação próxima de zero entre o Darius e o Sigma). E ambos são chamados de “quant”.
Por que isso acontece? Porque o “quant” é apenas a ferramenta utilizada para melhorar o processo de gestão, que acontece da mesma forma em todas as gestoras – “quantitativas” ou não. Esse processo é dividido em 4 etapas: pesquisa, modelagem, validação e execução.
Todos são quants, mas em escalas diferentes
É evidente, porém, que existem níveis distintos na escala com que uma gestora emprega tecnologia nesse processo. Neste artigo, vamos avaliar (com, claro, alguma restrição técnica) como a tecnologia pode ser empregada em diferentes níveis em cada uma das etapas.
Etapa 1: Pesquisa
A primeira etapa do processo de gestão é essencial para que os gestores estudem e acompanhem o mercado a fim de obter os insumos necessários para formular uma estratégia de investimento.
Explicaremos abaixo como esse processo ocorre para diferentes níveis de tecnologia empregado (baixo, médio e alto).
Nível baixo de tecnologia:
Processo: Pesquisa e leitura manual de artigos, pesquisas, relatórios, balanços e outras informações que o gestor julgar necessárias.
No Brasil, a grande maioria das gestoras independentes são discricionárias e fundamentalistas. Na prática, isso significa que a maioria dos processos de pesquisa são voltados para os indicadores econômicos e para os dados fundamentalistas de um país.
Nada de errado nisso, mas esse é apenas um conjunto de informação, dentre vários possíveis de serem utilizados.
Exemplo: Pesquisa sobre o mercado de varejo: análise de balanços de empresas, projeções de demanda, infraestrutura e a concorrência entre empresas do setor.
Ônus: Ao todo, poucas empresas são avaliadas e como as informações disponíveis são públicas, praticamente todos os analistas profissionais de mercado estudaram a mesma informação. Pouca vantagem competitiva.
Curiosidade: a maioria dos gestores destaca, como vantagem competitiva do seu processo decisório, o acesso aos executivos de uma determinada empresa – quando, na realidade, os executivos têm um enorme incentivo de conversar com todos os gestores (já que quanto mais demanda por suas ações, melhor). Logo, a declarada vantagem competitiva acaba sendo, novamente, informação comum a todos.
Nível médio de tecnologia:
Processo: Equipe de engenheiros de dados focada em estruturar a informação de forma organizada e facilmente acessível aos gestores. Em um primeiro momento, as informações armazenadas serão dados estruturados públicos, como: balanços, preços, volume, etc.
Exemplo: Acesso às informações do mercado de varejo global, incluindo balanços de todas as empresas do setor dos últimos 20 anos (ou mais), comportamento da ação e indicadores financeiros.
Bônus: Dezenas de empresas analisadas, assim como centenas de indicadores, em diversos países. Facilidade de acesso à informação e maior abrangência de análise. Possibilidade de cruzar informações de forma matemática ao invés de manual.
Por exemplo: reação dos preços de ações à surpresas em balanços. Levaríamos meses para analisar esse fenômeno manualmente, ao passo que, com a tecnologia correta, gastam-se minutos.
Ônus: Esses dados podem ser utilizados por quaisquer gestores que empreendem algum investimento em tecnologia. É o primeiro passo para gestoras (novas ou tradicionais) que estão no caminho de desenvolver a aplicação de tecnologia em dados.
Nível alto de tecnologia:
Processo: Aumento da capacidade de estruturação da informação, incluindo informações não estruturadas (como dados alternativos), além das informações previamente analisadas.
Inclusão de um time de cientistas de dados para analisar os diferentes tipos de informação e identificar possíveis sinais de compra ou venda que possam ser utilizados pela equipe de gestão.
Exemplo: Imagens de satélite do estacionamento das lojas de varejo e monitoramento real-time de indicadores online como vendas, relevância, busca, etc. Extratos bancários agregados de um país para análise de consumo. Análise de tendências em mídias sociais.
Bônus: Ao criar uma área intermediária de ciência de dados entre a pesquisa e a gestão, as informações são pré-processadas e analisadas por sua validade e capacidade de gerar bons resultados. Logo, o gestor pode se focar apenas em criar uma estratégia de investimento de sucesso, já que as informações que chegam até ele já são tratadas e confirmadas em seu valor.
Ônus: Exige que a gestora já possua grande volume de AUM (Assets under management ou patrimônio sob gestão) e comprometimento em financiar o alto custo operacional de estruturação das áreas de coleta e de tratamento de dados.
Etapa 2: Modelagem
A segunda etapa do processo de investimento é quando os gestores efetivamente criam as estratégias que futuramente irão compor as posições no fundo de investimento.
Nível baixo de tecnologia:
Processo: O gestor baseia-se na própria experiência passada e na intuição para criar a estratégia.
Exemplo: O gestor identifica que o cenário macroeconômico atual se parece similar a uma situação vivida no passado e utiliza-se disso para antecipar a movimentação de preço de algum ativo.
Bônus: Entender intuitivamente o cenário. Em português bem claro, “entender o que está rolando” e conseguir explicar o racional de forma fácil.
Ônus: O gestor estará sujeito aos seus vieses emocionais e limitação cognitiva naturais do ser humano, inclusive dos gestores profissionais.
Nível médio de tecnologia:
Processo: Gestor se baseia em sua experiência passada e na sua intuição e procura estruturar a estratégia com maior rigor matemático.
Exemplo: O gestor identifica todas as variáveis que utiliza para analisar o cenário econômico (como confiança da indústria, perspectiva de crescimento, expectativa de inflação, etc), e documenta o nível de otimismo ou pessimismo que demonstra com o país para cada uma delas.
Em seguida, o gestor estrutura quais serão as regras de entrada e saída de suas posições com base nos níveis atuais (de pessimismo ou otimismo) das variáveis seguidas, além do dimensionamento de suas posições, com base em literatura de controle de risco e otimização de portfólio.
Bônus: Possui uma estrutura muito mais robusta e científica que apenas baseado em sua experiência. Atinge-se uma qualidade imprescindível para a gestão profissional: repetibilidade do processo. Sem nenhum tipo de estrutura, cada decisão tomada pelo gestor pode ser diferente da anterior.
Ônus: As variáveis, as regras de entrada e saída e a construção do portfólio ainda dependem da experiência do gestor.
Nível alto de tecnologia:
Processo: O gestor baseia-se em técnicas de pesquisa científica, que não possuem nenhum tipo de viés sobre quais são as melhores regras ou variáveis (indicadores econômicos, preços de mercado) para montar uma estratégia de investimentos.
Baseado em estatística aplicada, o processo de pesquisa busca identificar as melhores variáveis dentro de todas as variáveis disponíveis, assim como as regras de entrada e saída mais eficientes. A construção de portfólio é totalmente desenhada com base em otimização matemática, que busca maximizar retorno e minimizar risco.
Exemplo: A equipe de ciência de dados fornece aos gestores 100 diferentes sinais cuja influência no preço dos ativos foi comprovada. Esses sinais podem ser tendências em mídias sociais, indicadores econômicos, volume de negociação, sentimento de notícias, etc.
Com base nesses sinais, a equipe de gestores constrói matematicamente uma estratégia que vai selecionar dinamicamente quais dos 100 sinais devem ser utilizados em diferentes cenários e qual deveria ser os níveis que indicam compra ou venda baseado na composição desses sinais. Por fim, o gestor utiliza um sistema de otimização para juntar todos os ativos escolhidos para compra e venda no peso exato que minimizará o risco e maximizará o retorno.
Bônus: A abrangência do processo aumenta significativamente e permite que o gestor explore o máximo número de países e ativos com a mesma qualidade. É possível desenvolver estratégias cujos resultados são totalmente diferentes da indústria, o que traz diversificação para os investidores.
Ônus: Explicar o funcionamento do processo é relativamente complexo e pode dar a sensação de “black box” para investidores.
Etapa 3: Validação (Backtest)
Esta é a etapa que o gestor testa se a estratégia realmente seria ganhadora no passado e resiliente à crises.
Nível baixo de emprego de tecnologia:
Processo: Inexistente.
Exemplo: Uma vez que a hipótese está na cabeça e na intuição do gestor, é impossível de se testar a estratégia (o ser humano não tem como saber, com alto nível de certeza, como teria racionalizado algo no passado).
Bônus: Nenhum.
Ônus: Estratégia se baseia puramente na confiança de que a intuição e experiência do gestor é suficiente.
Nível médio de tecnologia:
Processo: Utilizam-se dados históricos (geralmente dos últimos 5 a 10 anos) para verificar se a estratégia desenvolvida teria bom resultado no passado (e consequentemente, maior chance de sucesso no futuro). Se o processo for bem estruturado, utilizam-se técnicas tradicionais de in & out of sample para evitar overfitting (estratégias que funcionam muito bem no passado mas não no futuro).
Exemplo: O gestor desenvolveu uma estratégia na qual compra ações toda vez que a taxa de juros está caindo e vende ações toda vez que a taxa de juros está subindo. Ele utiliza dados de juros e ações para verificar se essa estratégia teria sido vencedora nos últimos 10 anos.
Bônus: Melhoria significativa de robustez das estratégias do que aquelas puramente testadas na prática.
Ônus: Processos mais simples de validação podem levar facilmente à overfitting .
Nível alto de tecnologia:
Processo: Utiliza-se, além dos dados históricos, dados sintéticos, criados cientificamente com características similares ao mercado, para verificar a resiliência das estratégias. Emprega-se processos mais robustos de validação, como cross-validation, com o intuito de fortalecer a tese e minimizar o risco de overfitting.
Exemplo: A mesma estratégia desenvolvida anteriormente é testada com dados históricos e sintéticos para verificar sua resiliência. Uma vez finalizado o modelo, ele é testado novamente em países diferentes, para verificar que a estrutura e relação entre juros e ações se mantém pelo fundamento econômico e não só por uma coincidência matemática.
Bônus: Diminuição significativa do risco de overfitting; as estratégias desenvolvidas terão maior escala pois podem ser implementadas em âmbito global.
Ônus: Processo com alto custo envolvido, em termos de recursos financeiros, sistemas e tempo dedicado.
Etapa 4: Execução
Essa é a etapa onde a compra e venda de ativos será realizada de acordo com a estratégia desenvolvida na etapa anterior.
Nível baixo de emprego de tecnologia:
Processo: Uma vez que a estratégia foi definida pela gestora, a execução dela (compra e venda dos ativos selecionados) é feita manualmente pelos traders da gestora.
Exemplo: O gestor passa à equipe de traders uma ordem de compra de R$ 500 milhões em futuro de índice. Os traders trabalham a ordem manualmente em algumas horas (ou dias), entrando vagarosamente no mercado.
Bônus: Existe supervisão humana de cada ordem executada.
Ônus: Além do risco de erro humano (“fat-finger”, por exemplo), as ordens são enviadas lentamente e gestoras com mais tecnologia conseguem notar a entrada dessas ordens no mercado, o que possibilita que outros players explorem esse fluxo de ordens, aumentando o custo médio de entrada do gestor (baixa eficiência de execução corrói o potencial de lucro da operação).
Nível médio de tecnologia:
Processo: Uma vez que a estratégia foi definida pelo gestor, a execução dela (compra e venda dos ativos selecionados) é feita utilizando metodologias simples de execução como VWAP e TWAP, disponíveis na maioria das plataformas profissionais de execução e acompanhada pelos traders da gestora.
Exemplo: O gestor passa à equipe de traders uma ordem de compra de R$ 500 milhões em futuro de índice. Os traders utilizam metodologia de VWAP durante 2 horas para completar a ordem. Essa metodologia coloca ordens no mercado apenas quando existe liquidez para executá-las, melhorando a eficiência da ordem e diminuindo o tempo para executá-las.
Bônus: Metodologias como VWAP são fáceis de encontrar e funcionam bem.
Ônus: Por serem disponíveis em larga escala, essas metodologias são fáceis de identificar e abrem espaço novamente para que outros gestores explorem esse fluxo de entrada e aumentem o custo médio de transação.
Nível alto de tecnologia:
Processo: Uma vez que a estratégia foi definida pelo gestor, a execução dela (compra e venda dos ativos selecionados) é feita por sistema proprietário de execução da gestora, que é totalmente automatizado e opera em servidor em collocation na bolsa de valores para diminuir ao máximo a latência das operações. As metodologias de execução são baseadas em processo de machine learning para evitar que o mercado identifique as ordens sendo enviadas e também para minimizar o custo de entrada e saída do mercado.
Exemplo: O gestor transfere a estratégia como um todo para a equipe de execução que vai automatizar todas as entradas e saídas da mesma no sistema de execução. Esse sistema, ao identificar a necessidade de emitir uma ordem de compra de R$ 500 milhões em futuro de índice, segue uma sequência de passos para entrar no mercado:
- Checagem de risco: Identifica se a ordem vai ultrapassar qualquer limite de risco estabelecido pelo fundo, caso a resposta seja sim, a ordem não é enviada;
- Checagem de compliance: Identifica se a ordem vai desenquadrar o fundo, caso a resposta seja sim, a ordem não é enviada;
- Escolha do algoritmo: O sistema identifica qual o melhor algoritmo a ser utilizada para executar a mesma, e em quais bolsas ele vai executar a ordem; leva em consideração como é distribuído o volume de negociações daquele ativo ao longo do dia e como está constituído o book de ofertas naquele momento;
- Execução da ordem: O sistema roda o algoritmo, monitorando os custos e a eficiência da ordem. Esses dados são armazenados para serem utilizados depois como benchmark para melhorias no sistema;
Todo esse processo roda em milissegundos, e os gestores acompanham o resultado desse processo em sistemas de monitoramento desenvolvidos pela gestora.
Bônus: Velocidade, abrangência, diminuição de custos, possibilidade de rodar estratégias em alta frequência, impossibilidade de ser monitorado
Ônus: Alto custo operacional envolvido para o desenvolvimento do sistema
Conclusão
Ficamos felizes em protagonizar este movimento de adoção de tecnologia na gestão no Brasil – especialmente porque acreditamos que, em um mundo onde as melhores gestoras mundiais já operam globalmente, armadas de drones e ferramentas de inteligência artificial, ignorar a tecnologia é flertar com a extinção.
Precisamos sempre lembrar que a dominância da tecnologia em várias esferas de nossas vidas não só cresce consistentemente como está acelerando, e quanto maior o tempo para as gestoras low tech começarem a migração para incorporar a tecnologia, maior será a dificuldade e o custo de implementação.
Avançar um passo em cada etapa fica exponencialmente mais difícil. Incorporar um pouco de tecnologia no processo de investimento é resolvido com algum investimento financeiro e a contratação de bons profissionais. Incorporar muita tecnologia ao processo, por outro lado, não é resolvida apenas com investimento. É necessário, além da mudança cultural da gestora, anos de treinamento de pessoas, integração de sistemas, criação de bases de dados, etc. O tempo de casa acaba sendo um fator crucial (porém, é claro, não basta ser uma casa antiga). Ambos o tempo de casa e o volume de investimento no processo precisam caminhar juntos. Todo o nosso foco na Giant é voltado para estarmos consistentemente na fronteira do conhecimento em cada uma dessas etapas. Acreditamos que esse seja o ponto crucial para continuarmos sempre entregando resultados fora da curva.
Elaborado por:
Bruna Sene, CNPI-T 1847
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