(por Rachel de Sá, Mestre em economia politica internacional pela LSE, e em economia pelo IDP)
Você sabia que se escrevermos no Google “por que as mulheres não podem”, as primeiras frases mais procuradas que aparecem na busca incluem “ser padres, ser marinheiros ou usar um shampoo de homem para queda de cabelos”? De fato, algumas são indagações importantes, outras nem tanto, mas admito que fiquei feliz quando não encontrei entre as mais procuradas o termo “por que mulheres não podem investir?”.
Quando o fiz — efetivamente digitei a pergunta “por que mulheres não podem investir?” — encontrei uma série de estudos, reportagens e análises sobre a importância do investimento feminino, e a recente evolução positiva ao redor do mundo.
Mas, será que mulheres e homens investem de maneira diferente? Será que o gênero importa na hora de investir [1]?
Foi instigada por essas perguntas que ousei entrar no campo da pesquisa sobre investimentos femininos. Em um país onde o número de mulheres investidoras na bolsa ainda responde por pouco mais de 25% e no Tesouro Direto por 32%, senti que me debruçar sobre esse tema para minha tese de mestrado em economia seria mais interessante do que entender os principais indicadores antecedentes da arrecadação federal — ou outro assunto tão emocionante quanto (#sóquenão)!
Mal sabia eu que uma gama de pesquisadores antes de mim havia se feito a mesma pergunta, sendo a cobertura acadêmica e corporativa sobre investimentos femininos vasta não somente no Brasil, como também ao redor do mundo. Dentre os motivos para a menor participação feminina no cenário de investimentos, principalmente em ativos de renda variável, as pesquisas apontam menores salários e menores benefícios de aposentadoria de mulheres quando comparados à homens, o menor nível de educação financeira, acesso à informação e capacidade de utilizá-la, e mesmo variáveis de interação social que afligem parte da população feminina, incluindo sintomas de depressão.
Recente pesquisa da gestora Franklin Templeton, por exemplo, identificou o que (com toda licença poética) decidi chamar aqui de “síndrome do PHd dançarino”. Sabe aquela sensação de que você precisa saber dançar muito bem para poder entrar em uma competição de dança de salão da empresa em que trabalha seu novo(a) companheiro(a)? Agora substitua a competição de dança de salão por dar o primeiro passo no mundo dos investimentos, e saber dançar muito bem por ter um PHd em economia, finanças ou correlatos. Voilá! É isso que 41% das mulheres no mundo sentem sobre investimentos, julgando não saber o suficiente sobre o tema para “se dar ao luxo de investir” – de acordo com a pesquisa em questão. A cifra se compara a uma média de 23% entre os homens.
Porém, para além das variáveis por trás da menor participação feminina em investimentos, há também um importante “lugar comum” frequentemente atrelado a investidora feminina: a premissa de que a mulher possui maior aversão ao risco do que homens. Essa premissa acaba influenciando a própria decisão inicial de mulheres sobre investir, além de criar a noção de que os retornos esperados em carteiras escolhidas por mulheres são menores, quando comparado às carteiras em que homens tem o poder decisório.
Foi nesse “pulo do gato” que resolvi fuçar um pouco mais, e investigar se de fato mulheres são mais avessas ao risco em investimentos do que homens. Será que temos mais medo do “balancê”? Para entrar nesse mundo, tive o privilégio de poder utilizar um vasto banco dados com carteiras de investimento reais de mulheres ao redor do Brasil de uma das maiores instituições financeiras do país.
Como medida de risco, com o objetivo de comparar a aversão ao risco entre mulheres e homens, utilizei a volatilidade observada nas carteiras — medida por meio do cálculo do desvio-padrão de todos os ativos da carteira de cada cliente. Deste modo, apesar de reconhecer as limitações dessa premissa, assumi, para os propósitos do estudo, que quanto maior a volatilidade observada, menor a aversão ao risco. Já como variáveis de controle, que são aquelas que, mantidas constantes no modelo, ajudarão a indicar se o gênero de fato influencia na volatilidade, foram usados dados cadastrais dos clientes, incluindo estado civil, idade, tempo de cliente, salário declarado, e outras variáveis socioeconômicas.
Simplificando para o bom e velho português, foi perguntado à tela preta complexa de programação com o modelo estatístico a seguinte pergunta: “ser mulher influencia na tomada de riscos em investimentos? Considerando a mesma idade, estado civil, salário e várias outras coisas, uma mulher é mais avessa ao risco do que um homem?”
Após superar o pequeno detalhe de não ser a melhor pessoa na manipulação de dados, modelos estatísticos, e softwares para me virar no meio de todo esse “paranauê”, consegui atingir resultados no mínimo instigantes — e, no máximo, suficientes para me aprovar no mestrado (e né? First things first!).
E o resultado é… SIM! Sim? Pois é. Um sonoro “sim” seria escutado se meu modelo rodado na tela preta que faz todo mundo parecer verdadeiros hackers pudesse falar. Para todos os diferentes testes realizados, mulheres se mostram mais avessas ao risco do que homens.
Mais especificamente, os resultados indicam que, em comparação com outras variáveis socioeconômicas analisadas, mesmo as que se mostraram estatisticamente significantes em relação a volatilidade observada, como estado civil, domicílio e patrimônio líquido investido, o gênero se revelou a de maior relevância estatística na maior parte dos testes.
Considerando clientes de perfil autodeclarado agressivo, por exemplo, ser mulher implica em uma redução da volatilidade observada, em média, de 2,23 pontos percentuais. Isso se compara a uma redução de 0,57 pontos percentuais na volatilidade observada a cada 10% de aumento no patrimônio líquido do cliente.
Em outras palavras, o simples fato de ser mulher implica uma volatilidade menor em carteiras de investimento, de maneira mais relevante do que é a influência do próprio capital investido!
Exato! Chocamos. Por isso, se isso te deixou tão estupefato quanto eu, cujo motivo de felicidade do resultado da pesquisa foi único apenas em me prover horas de sono novamente, te convido a mudar essa realidade. Comecemos 2021 investindo, e investindo sem pré concepções, síndromes de PhDs dançarinos, ou medo de dar aquele primeiro (segundo, ou terceiro) passo: medindo o risco/retorno de maneira equilibrada de acordo com seus objetivos, fazendo seu dinheiro trabalhar com você, por você e para você — sendo homem, mulher, velho, novo, careca, cabeludo, rei, ladrão, soldado ou capitão! 😉
Referências
[1] O conceito de gênero utilizado no presente estudo diz respeito à construção social atribuída ao sexo (diferente do conceito de sexo biológico), conforme a auto definição de investidores.
Resumo do dia: Brexit & estímulos — alguém tem que ceder
(por Lucas Collazo)
A sexta amanhece com os mercados mundiais mistos, mas próximos do zero a zero, à espera das negociações do Brexit e de uma solução para o pacote de estímulos nos EUA.
Na quinta, o premiê britânico, Boris Johnson, disse que as negociações estão em situação séria e que a UE teria que alterar posicionamentos quanto às regras para pesca para que o acordo caminhe. Os negociadores estabeleceram o próximo domingo (20) como prazo para acertar um acordo. As regras atuais vencem em 31 de dezembro.
Os investidores também estão na expectativa de uma aprovação para um pacote de estímulos dos EUA, que ainda pode acontecer este ano. Os principais pontos de divergência continuam sendo o auxílio para estados e municípios (defendido por democratas) e proteções legais para empresas (defendido por republicanos) A proposta em discussão é de cerca de US$ 900 bilhões.
Na quinta, um painel de aconselhamento da Food and Drug Administration anunciou que decidiu a favor da vacina da farmacêutica Moderna para uso emergencial, dando sinal verde para sua aprovação. A distribuição de mais esse imunizante pode começar na semana que vem.
Na política brasileira, Rodrigo Maia incluiu na pauta da sessão da Câmara de hoje a MP 1.000, que foi responsável pela extensão do auxílio emergencial para os meses de outubro a dezembro, com redução no valor de R$ 600 para R$ 300. Há forte pressão dos deputados pela elevação do valor. O governo está trabalhando para que a medida não seja votada e, caso não tenha sucesso, espera que Davi Alcolumbre não convoque novas sessões do Senado, que também precisa aprovar o texto para que as alterações tenham validade.