*Por Rachel de Sá, Analista de Macroeconomia da XP Inc.

  • A resiliência dos dados econômicos ao longo do primeiro trimestre (parecida com as modas que teimam em voltar) reduziu em boa parte os receios sobre o impacto na atividade após o fim dos estímulos no ano passado
  • V de vacina: o avanço da vacinação segue crucial para o cenário de crescimento do PIB esse ano. Projetamos alta de 4,1%.
  • Diante da pressão impulsionada por estímulos monetários e fiscais, recuperação forte, incertezas climáticas, além de desequilíbrios na cadeia produtiva global, elevamos nossa projeção para a inflação
  • Confira todas as mudanças no cenário macro a seguir

Para escrever esse Rico Matinal sobre nosso relatório mensal de macroeconomia de maio, queria achar uma boa metáfora para atividade. Logo pensei: exercícios, claro. Agora imagens metalinguísticas para exercícios. Não sei ao certo (talvez porque esteja frio, quem sabe não compro uma?), me peguei pensando em polainas. Polainas… anos 1980 ou 2000? Vamos de 2000, afinal, desse eu me lembro. Que moda maluca daquela época, não é mesmo?

(Fiquei presa nesse post incrível do Buzzfeed – aliás, esse ficou pra trás também? Certo, o texto!) E a metáfora escolhida foi: anos 2000!

Comecemos então pelo spoiler reverso acima: da moda fitness questionável a polainas a exercício à atividade.

A polaina e a recuperação em V

A atividade econômica de fato foi o principal destaque do cenário macroeconômico do último mês.

Assim como a constante volta de itens fashion nos permite hoje comprar uma polaina sem medo (certo?), a resiliência refletida nos dados econômicos ao longo do primeiro trimestre reduziu em boa parte os receios sobre o impacto na atividade após o fim dos estímulos no ano passado – o tal do “penhasco fiscal” (para os chiques, fiscal cliff). Em março, a produção industrial e as vendas no comércio varejista vieram acima das expectativas dos analistas, apesar de registrarem queda diante da piora da pandemia e de medidas de restrição de mobilidade.

O resultado menos pior do que o esperado indica que adaptações de setores produtivos a medidas sanitárias, e a tal da poupança circunstancial de parte da população (criada ao longo de 2020, quando muitos dos gastos usuais de famílias com bens e serviços foram impossibilitados pela covid-19) têm apoiado uma queda bem mais branda da atividade do que aquela vista no auge da crise pandêmica no ano passado.

V de Vacina

E daqui em diante? Aí entra mais uma referência aos incríveis anos 2000: “remember, remember, the fifth of november”. Nada? Ok, que tal: aquela máscara branca, com um bigode e um sorrisinho? Mas acalmem-se, nosso cenário econômico não se refere a uma revolução em uma sociedade distópica num futuro próximo. Pegamos emprestado apenas o V – o mesmo V da recuperação econômica, agora em: V de vacinação.

A despeito da atividade melhor do que o esperado para o início do ano e da reedição de programas de estímulo à economia (no caso, de apoio ao emprego formal e de crédito subsidiado a pequenas e médias empresas, além da antecipação do 13° salário para aposentados e pensionistas), o avanço da vacinação segue crucial para o cenário de crescimento do PIB esse ano. Projetamos alta de 4,1%.

Nossas contas sugerem que a disponibilidade de vacinas a partir de maio será muito superior ao total observado nos primeiros meses de 2021. Por exemplo, esperamos 80 milhões de doses em maio e junho, superando os 72 milhões disponíveis entre janeiro e abril.

Inflação e commodities – a linha é um ponto para você

Entretanto, assim como o Disk MTV Brasil não tinha monopólio dos novos clipes da Britney no mundo, o cenário de recuperação mais forte é realidade em grande parte do mundo – o que, sim, é positivo para nós. Porém, traz também ventos de uma inflação mais forte, especialmente diante da alta das commodities.

Como comentei no último Rico Matinal sobre cenário econômico mensal, os preços das commodities agrícolas e minerais seguem registrando recordes de alta, sem perspectivas de atingirem um limite no curto prazo, ou voltarem para linhas de preço históricas. Me faz lembrar de outro grande ícone dos anos 2000, Joey, de Friends. Em uma de suas célebres frases para Chandler, que acaba de sair com a namorada do melhor amigo, ele profere “Cruzar a linha? Você está tão longe da linha que ela virou um ponto para você”!

Pois é. Diante da pressão da demanda global impulsionada por estímulos monetários e fiscais, recuperação forte, incertezas climáticas, além de desequilíbrios na cadeia produtiva global, elevamos nossa projeção para a inflação (medida pelo IPCA) no final deste ano para 5,4%.

Olhando adiante, um Banco Central vigilante às pressões sobre a inflação corrente (o tal do ponto do Joey), além de atento a incertezas fiscais em um contexto de recuperação na atividade (mesmo que ainda cautelosa), deverá seguir a elevação da taxa Selic até 5,5% ao ano em setembro deste ano, trazendo a inflação para a meta de 3,5% ao final de 2021.

Dólar e fiscal – as “hit parades” e o alívio de curto prazo

Finalmente, mas não menos importante, onde vemos o dólar nesse ambiente? E o que aconteceu com o risco fiscal, a grande estrela dos meses anteriores?

De fato, assim como Avril Lavigne e FIVE após os anos 2000, o fiscal deu uma sumida nesse mês – por um motivo positivo, desta vez. O desfecho para a questão do orçamento de 2021, afastando instabilidades potenciais como quebras à Lei de Responsabilidade Fiscal, e os resultados positivos das contas públicas em março trouxeram certo alívio ao cenário fiscal – reduzindo a percepção de risco no curto prazo e melhorando projeções para o ano. Revisamos nossa projeção de dívida bruta para 87,0% do PIB esse ano, e 89,8% no ano que vem.

Esse cenário de relativa estabilidade, aliado ao ambiente externo favorável, permitiu que o câmbio caminhasse em direção ao patamar estrutural, altamente favorecido pelo preço e aumento das exportações de commodities, além da normalização dos juros. Assim, em abril, o real apreciou 3,5% frente ao dólar e encerrou o mês em R$ 5,44, desempenho superior ao dos pares emergentes.  

Entretanto, diferente de cantores de sucesso dos anos 2000, o governo não é capaz de solucionar seus desafios orçamentários estruturalmente com surpresas de curto prazo (ou, no caso, alguns anos nas “paradas de sucesso globais”). Deste modo, apesar de o risco fiscal “agudo” ter se reduzido, o risco “crônico” continua, caracterizado pela elevada dívida pública e pelo orçamento muito engessado.

E, novamente diferente das paradas de sucesso dos anos 2000, isso não muda de um dia para o outro – e deve seguir influenciando os prêmios de risco dos ativos brasileiros por muito tempo ainda, especialmente considerando o ano eleitoral que nos aguarda. Por isso, mantemos nossa projeção para a taxa de câmbio em 5,30 reais por dólar no final deste ano, e de R$ 5,10 para o ano que vem.

Conclusão – os anos 2000 foram incríveis. Vamos relembra-los mais vezes! Mas deixemos a calça de cintura baixa fora dessa (eita negócio desconfortável!).

Elaborado por:

Betina Roxo, CNPI 1493
Paula Zogbi, CNPI 2545

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