*Por Rachel de Sá, analista de macroeconomia da XP Inc
- A economia brasileira, diante do aumento de riscos fiscais e ruídos políticos, se aproxima de um cenário alternativo adverso
- Esse cenário nada tem a ver comigo em Londres no verão: estou falando de real mais fraco, inflação mais pressionada, juros mais elevados e (até) uma nova recessão
- O vilão do filme é, de novo, o risco fiscal
- Hoje, vamos falar sobre o cenário macroeconômico de abril
Londres no verão, férias, um festival de música em um parque, com rock e aglomeração sob medida, drinks e boa companhia. Hoje, esse seria meu cenário alternativo. Já sinto até o gostinho da cerveja meio quente de tanto que cantei e esqueci de tomar, ou a raiva de precisar ir ao banheiro (sempre láaaa do outro lado de onde estou), bem na hora da minha música preferida!
Infelizmente, não foi sobre esse cenário alternativo que fiquei pensando na última semana. E sim sobre a economia brasileira, que diante do aumento de riscos fiscais e ruídos políticos, se aproxima de um cenário alternativo adverso — com real mais fraco, inflação mais pressionada, juros mais elevados e (até) uma nova recessão no ano que vem.
Mas acalmem-se! Como o próprio nome diz, trata-se de um cenário alternativo. Ou seja, assim como as chances de eu estar em Londres em breve tomando minha cerveja e ouvindo bandas de rock são menores do que as de eu seguir por aqui no meu home office pelos próximos meses, o cenário adverso descrito ainda tem menores chances de acontecer do que o cenário base.
E o que vemos em nosso cenário base para a economia brasileira, com base nos acontecimentos do último mês?
Desde a publicação do último relatório mensal do time de economia, vimos a economia global seguir ditada pelo comportamento das taxas de juros de longo prazo nos EUA, que por sua vez tem a ver com perspectivas no cenário de inflação. Sobre essa, seguimos ao lado do Banco Central norte-americano, o Fed, que não perde uma oportunidade de destacar que as pressões nos preços são de curto prazo, que a economia ainda tem muito o que recuperar, e que os juros não vão para lugar nenhum no curto prazo. Ou seja, keep calm and enjoy the liquidity (fique calmo, e aproveite a liquidez)!
Enquanto isso, no Brasil, a piora da pandemia da Covid-19 e o aumento de medidas de restrição de mobilidade preparam uma queda para a atividade no segundo trimestre — apesar de estarmos vindo melhor do que o esperado nos primeiros meses do ano. Pelo lado positivo, o avanço esperado para a vacinação a partir do meio do ano deve dar um empurrãozinho na atividade econômica, permitindo uma retomada no segundo semestre. Vemos o PIB brasileiro crescendo 3,2% esse ano.
E a inflação, qual vai ser? Com preços de commodities mais altos do que o meu tom de voz tentando descrever minha localização para um amigo perdido em festivais de música, a interrupção da cadeia produtiva doméstica e global impactada pela pandemia, e o real ainda em baixa diante das incertezas (olha lá os ruídos políticos e fiscais dando as caras…), a inflação deve seguir pressionada nos próximos meses. Até quanto? Com certa perda de força dessas pressões temporárias ao longo do segundo semestre (por mais que estejam quase parecendo aquele momento infinito nas filas do banheiro enquanto você perde sua música preferida), vemos o IPCA atingindo 4,9% no final do ano, e ancorando na meta de 3,5% no ano que vem.
Diante desse cenário, o que vemos para os juros? Após uma alta de 0,75 p.p. que pegou a gente e grande parte do mercado de surpresa (esperávamos 0,50 p.p.), mantemos nossa visão de que o Banco Central elevará a taxa básica de juros, the one and only Selic, para 5% ao ano até o final deste ano. Para o ano que vem, a Selic deve alcançar seu território neutro, em 6,5% ao ano — aquele que não estimula nem desestimula a atividade, quase que nem o efeito da música nova que ninguém conhece, colocado estrategicamente entre dois hits.
Mas se tudo isso acontecer, de onde vem o cenário alternativo? É aí que chegamos no vilão do filme (lembra dele? Contei aqui no Rico Matinal um tempo atrás): o risco fiscal.
Desde a última vez que passei por aqui, a turbulência em torno do cenário fiscal seguiu como a principal novela do país, com o último capítulo sendo o imbróglio do orçamento para 2021.
O que rolou: o Congresso aprovou uma peça orçamentária subestimando parte das despesas obrigatórias, “criando” espaço para emendas parlamentares — orçamento destinado especialmente a investimentos em redutos eleitorais de parlamentares. Porém, como esse espaço de fato não existia, e faltaria orçamento para pagar despesas como previdência, o Executivo e o Congresso entraram em um impasse.
Se o governo sancionasse o orçamento como estava, corria o risco de quebrar a Lei de Responsabilidade Fiscal (passível de impeachment). Se vetasse tudo, teria um grande pepino com o Congresso. Ou seja, o famoso “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.
A solução encontrada foi vetar parte do que estava para os parlamentares (emendas), e tirar parte das despesas não obrigatórias programadas pelo Executivo. O risco? Faltar espaço no orçamento para a máquina pública, como emissão de passaportes, recursos para apagar incêndio na Amazônia, e outros pontos (um tanto quanto) polêmicos.
Mas isso é problema para a Rachel (ou melhor, para o Executivo) de amanhã. Hoje, ficamos com o risco. Independente do desfecho do orçamento, o que as seguidas turbulências fiscais revelam é a crescente pressão por maiores gastos, especialmente diante da piora da pandemia por aqui.
Por isso, mesmo que a dívida em relação ao PIB deva cair esse ano — pois é, cair mesmo, por conta principalmente de dinheiro devido e devolvido pelo BNDES para a União, e pela inflação mais alta aumentando o PIB nominal, que é o denominador dessa fração — o risco fiscal segue nosso principal ponto de cautela para o cenário econômico. Um ponto de cautela que seria a ponte para o cenário alternativo, se deteriorado ainda mais.
Por ora, porém, ainda não vou comprar minha passagem com destino ao aeroporto de Heathrow (London, baby!) – nesse caso, infelizmente. Do lado do cenário, seguimos firmes em nossas variáveis base. Mas sempre atentos e preparados ao que pode vir pela frente.
Elaborado por:
Betina Roxo, CNPI 1493
Paula Zogbi, CNPI 2545
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