• Há meses, todos os dias parecem iguais, com as mesmas preocupações e desafios. Entre eles, a constante desvalorização do real
  • Mas temos motivos para acreditar que o câmbio (dólar vs. real) pode deixar de ser uma pedra no sapato a partir de agora!
  • Por trás desse pensamento, temos fatores como o diferencial de juros e uma postura mais firme do Banco Central

*Por Rachel de Sá, analista de macroeconomia da XP Inc. 

Nesses últimos tempos, ando pensando bastante em duas obras nada clássicas da sétima e, ao que indica minha rápida busca no Google, nona arte: o filme “O Feitiço do tempo”, e o desenho animado “O Pink e o Cérebro”.

Para quem não é um aficionado por produções dos anos 1990, o filme estrelado por Bill Murray retrata a vida de um repórter de meteorologia que, por motivos inexplicáveis, passa a viver o mesmo dia repetidas vezes – over and over again, até quebrar o feitiço se tornando uma pessoa melhor. #Sorrypelospoiler

Já a vida de nossos queridos roedores tem um enredo mais simples, mas não menos incrível, sempre começando e terminando com o seguinte diálogo: “Cérebro, o que faremos hoje?” “Aquilo que fazemos todas as noites, Pink. Tentar dominar o mundo”. Incansáveis, seguem diariamente em seu plano – que, pobres ratinhos, nunca é atingido.

Personagem de desenho animado Cérebro

De fato, a repetição tem sido a marca dos primeiros meses desse ano. Avanço da pandemia, lockdown, revisões de projeções de atividade… Parece que não “trocamos a fita”!

Porém, apesar de parecer que nada mudou, a economia e o cenário globais avançaram muito de um ano para cá. Os governos responderam aos impactos econômicos da crise pandêmica com inúmeros pacotes de estímulo fiscal e monetário; desenvolvemos vacinas, já sendo aplicadas em diversos locais do mundo; o PIB global reduziu-se muito menos do que o esperado.

Por outro lado, algumas coisas de fato seguem a mesma “pedra no sapato” na tomada de decisão sobre investimentos. E uma delas, aqui desse lado do Atlântico, é o câmbio. Desde o início deste ano, o real se desvalorizou 7%, frente ao dólar, chegando a atingir a marca de R$5,83 em 11 de março, antes de arrefecer para R$ 5,52 no fechamento do dia 22.

Gráfico que mostra o movimento do real contra o do dólar desde o início do ano

O que mexe com o câmbio

Como já falamos por aqui em novembro do ano passado, o movimento do câmbio é determinado por uma série de fatores – uns cujo comportamento futuro pode ser mais ou menos previsto por meio de modelos econômicos, outros nem tanto.

Dentre os primeiros, temos os fatores estruturais, como a diferença entre os juros aqui e nos EUA, os nossos termos de troca (relação entre o valor do que importamos e do que exportamos), e o próprio saldo da balança comercial (importamos mais do que exportamos, ou vice-versa?).

Já dentre os menos previsíveis, temos os fatores atrelados ao câmbio não apenas como uma variável macroeconômica, que reflete questões estruturais da economia como um todo, e sim como um ativo financeiro.

Nesse caso, a percepção de risco é uma das variáveis “intangíveis” mais importantes na determinação do patamar do câmbio – ou seja, se o real estará mais ou menos valorizado em relação a outras moedas, especialmente o dólar.

Nos últimos meses, vimos a percepção de risco em relação ao Brasil aumentar de maneira relevante, diante do recrudescimento da pandemia, de incertezas políticas envolvendo desde a interferência na gestão da Petrobras, passando pela mudança de ministro da Saúde, até a tramitação da PEC Emergencial no Congresso.

Em investimentos, incerteza é igual a risco; e esse risco é “alocado” muitas vezes no câmbio, que acaba enveredando seu caminho para longe das variáveis estruturais.

O cenário internacional também contribuiu para essa piora de percepção de risco, diante da crescente pressão sobre as taxas de juros de longo prazo em países desenvolvidos, especialmente nos EUA, fruto tanto da perspectiva de recuperação econômica, quanto do aumento da inflação.

O movimento acaba por fortalecer o dólar frente a outras moedas, especialmente emergentes cujas taxas de juros permanecem em território de estímulo (ou seja, baixas, como aqui), além de reduzir o custo de oportunidade de investimentos vistos como mais arriscados – como nós aqui novamente.

A pergunta que não quer calar: para onde vai o dólar?

Apesar da recente tendência de alta observada no câmbio, acreditamos que o movimento ainda mais recente de recuo do dólar frente ao real deve ganhar força nos próximos meses (perdão aos níveis diferentes usados para a mesma palavra – mas, português permitindo, a gente toca o barco!).

Do lado internacional, a atuação do Banco Central Europeu, a ainda letárgica volta econômica na região, o esperado arrefecimento do preço de commodities observado nas últimas semanas, e o fim gradual de desequilíbrios entre oferta e demanda causados pela pandemia devem contribuir para uma estabilização das expectativas de inflação e dos juros de longo prazo em países desenvolvidos.

Já no Brasil, o mesmo cenário desafiador dos palcos internacional e doméstico motivaram o Banco Central a antecipar a normalização da política monetária, além de intensifica-la no curto prazo. Uma alta mais forte de início, para potencialmente não precisar subir tanto ao fim do ciclo, como explicamos aqui.

A atuação firme e com elevada credibilidade da autoridade monetária também contribuirá para aliviar tanto direta quanto indiretamente o câmbio — via diferencial de juros (aqui e lá fora), e via percepção de risco de um fiscal saindo do controle, e levando a inflação junto.

Aqui, cabe um adendo: quando os juros estão mais altos por aqui, entra em jogo uma operação chamada carry trade, em que investidores estrangeiros lucram com o diferencial de juros entre dois países e com a variação cambial — o Rico Matinal explicou isso lá em 2019. Mas essa vinda de dinheiro estrangeiro para o nosso mercado também depende de um banco central “ponta firme”, porque a atuação contra o descontrole fiscal também dá mais segurança para investir em terras brasileiras. Traduzindo: quando a volatilidade é muita, essa operação não vale a pena mesmo com diferencial de juros mais alto.

Porém, assim como o Cérebro não cansava de falar ao seu fiel escudeiro sobre suas aspirações de dominância global, nunca é demais lembrar daquela máxima sobre o câmbio, cuja autoria segue desconhecida: Deus fez o câmbio para tornar os economistas menos arrogantes…

Vejo vocês no próximo Dia da Marmota (e se não entendeu a referência, vá assistir ao filme)!

Elaborado por:

Betina Roxo, CNPI 1493
Paula Zogbi, CNPI 2545

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