Insight Rico: Biden em Casablanca? As eleições nos EUA, um acervo de citações e a economia brasileira

(por Rachel de Sá, analista de macroeconomia e convidada sempre especial deste Rico Matinal) 

Se há duas coisas que eu gosto são: filmes e podcasts. E claro, escrever artigos trazendo “quotes” e curiosidades que encontro neles!

E é de um dos meus podcasts preferidos que eu tirei uma informação super interessante para o momento atual. As eleições para presidente nos EUA sempre acontecem na primeira terça feira do mês de novembro!

Confesso que sempre achei um tanto quanto curioso o fato de a maior potência econômica global sair para votar no meio da semana, em pleno “businness day”. Mas quando entendi que a tradição remonta do século XIX, quando esse negócio de dia de semana X fim de semana não era bem assim como temos hoje (e muita gente que de fato votava não precisava “se dar ao trabalho de trabalhar”)…tudo explicado!

Voltando ao século XXI e ao assunto que não sai dos holofotes, os norte-americanos foram às urnas para eleger seu presidente na última terça feira, 03 de novembro. Se nada mudar na justiça, Joseph Robinette Biden se tornará o 46° presidente dos EUA. Biden está na política desde 1973, quando foi eleito senador pelo estado de Delaware, e entre 2009 e 2017, foi vice-presidente de Barack Obama.

Quais seriam impactos desse resultado para o Brasil? Em especial, o que devemos esperar para a economia brasileira se de fato for confirmado uma administração Biden na Casa Branca? E por que o título desse artigo é Casablanca, e não Casa Branca?

Brasil, EUA e a economia global

Primeiro de tudo, vale lembrar que o Brasil não é uma ilha – infelizmente, porque bem que seria bom ter praia em todos os estados! Ou seja, apesar de sermos um país relativamente fechado (com proporção de comércio em relação ao PIB em 29% frente média de 60% nos países da OCDE), somos impactados por fluxos de ativos financeiros, por investimentos diretos na nossa economia e tendências político-econômicas ao redor do mundo.

Esses acontecimentos se tornam ainda mais relevantes quando se trata da escolha do líder da maior economia do mundo – e nosso segundo maior parceiro comercial, responsável por quase 10% das nossas exportações, e 16% dos produtos que importamos do mundo (com base nos dados de janeiro a setembro de 2020).

Ou seja, vale prestar atenção nos primeiros passos do que deve ser uma administração Biden!

A principal ação de curto prazo do novo governo deve ser a implementação de um novo pacote de estímulos fiscais para combater os efeitos da pandemia da covid-19 – que deve ser aprovada no Congresso mesmo diante de uma minoria democrata no Senado. O pacote certamente será de grandes proporções, trazendo otimismo para o crescimento global.

Esse movimento terá também consequências para o dólar, contribuindo para a tendência de enfraquecimento global da moeda observado nos últimos meses. E por aqui? O dólar deverá se enfraquecer também, somado a melhora dos resultados comerciais e à alta das commodities. Go Biden (?)!

Já no âmbito diplomático-comercial, um mundo sob a liderança de Biden nos EUA tende a tornar-se mais previsível, colaborando para a retomada do comércio global frente à forte desaceleração observada nos últimos anos. Sua postura considerada mais moderada e favorável ao livre comércio deverá focar em reconstruir pontes com organismos e acordos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a OCDE e o Acordo de Paris, além de optar por soluções multilaterais em conflitos geopolíticos – como questões envolvendo o Irã, a Coreia do Norte e a própria China.

O acordo comercial inicialmente firmado entre Trump e Xi Jiping deverá ser reavaliado sob esse prisma, de modo a contemplar visões multilaterais sobre comércio e economia. No Brasil, alguns setores podem ser prejudicados por uma potencial retirada de tarifas entre as duas potências, e o fortalecimento de importações agrícolas norte-americanas por parte da China. Por outro lado, o arrefecimento das tensões geopolíticas deve pesar positivamente no longo prazo, ao sugerir uma perspectiva melhor para o crescimento global e impactar positivamente toda a cadeia produtiva brasileira.

Amigos, amigos, negócios à parte

Considerando os riscos do cenário da nova cara de Washington à economia global, os principais destaques são o enrijecimento de regulações, e um aumento substancial de carga tributária, tanto focado em empresas quanto na parcela mais rica da população. Ou seja, uma economia norte-americana mais regulada e taxada, com suas consequências sobre a economia global.

Nesse contexto, a negociação e o debate com a parcela republicana no Congresso será essencial para evitar agendas mais radicais, como a elevação substancial de impostos e o banimento da exploração de petróleo de gás de xisto.

Enquanto isso, no Brasil, a eleição de Biden traz receios de que ficaremos ainda mais isolados diplomaticamente no curto prazo, especialmente diante do compartilhamento de opiniões e personalidades similares entre Bolsonaro e o quase ex-presidente norte-americano.

De fato, a priorização da agenda de proteção ao meio ambiente de Biden e aliados pode se tornar um ponto de fricção com o Brasil, pelo menos no curto prazo. Por outro lado, o aumento da pressão por meios multilaterais pode levar a uma importante mudança de retórica do Brasil sobre o tema, nos beneficiando em negociações internacionais como a ratificação do tratado entre Mercosul e União Europeia.

Além disso, vale lembrar que as relações diplomáticas e comerciais entre o Brasil e os EUA são de longa data e mutualmente favoráveis. O famoso “relacionamento estável”!
Deste modo, essa relação dificilmente será estruturalmente alterada (para o bem ou para o mal) por conta de “meros detalhes” como afinidades pessoais. Exemplo disso é a virtual manutenção das condições comerciais entre os dois países no período de convívio entre Trump e Bolsonaro.

Com exceção de alguns posicionamentos pontuais, como o apoio (por ora não consolidado) de Trump ao pedido de acessão do Brasil à OCDE, a relação político econômica entre Brasil e EUA não sofreu grandes modificações durante o governo Trump, se comparado aos líderes anteriores. Essa realidade é ilustrada no gráfico abaixo, que retrata as relações comerciais entre os países nos últimos dez anos.

Conclusão

Não há como fugir. Um governo Biden certamente trará mudanças de curto prazo significativas para a economia dos EUA, refletindo também no palco político-econômico global. Porém, não é hora para fazer estripulias! A urgência da crise da Covid-19 não dá margem para medidas muito arriscadas, devendo ser priorizados pacotes de estímulo à retomada da economia.

Além disso, um Congresso provavelmente dividido entre Republicanos e Democratas (ainda teremos uma espécie de segundo turno para o Senado na Georgia, então, embora muito provável que se confirme, a maioria republicana na casa ainda não é dada) terá papel importante para manter medidas mais radicais longe do radar.

Enquanto isso, desse lado do trópico de capricórnio, o curto prazo deve reservar certas “DRs” entre o presidente eleito e a administração Bolsonaro. Por outro lado, a redução de tensões geopolíticas e comerciais trará maior estabilidade global, contribuindo para os primeiros passos do Brasil em direção à abertura comercial, enquanto pressões por vias diplomáticas e multilaterais podem reservar um desfecho construtivo para a questão ambiental no país.

E é nesse momento, bem quando você achou que eu havia esquecido, que lembro de um filme que adoro! Ao som de um avião partindo ao fundo, ouvimos a voz de Humpfrey Bogart:

Louis, I think this is the beginning of a beautiful friendship.

Resumo do dia: A euforia da vacina

(por Júlia Aquino)

 Mercados globais amanhecem mistos nessa terça-feira, com os futuros do S&P caindo 0,30%, os futuros do Dow Jones subindo 0,40%, e EuroStoxx em alta de 0,35%.

Os investidores estão pisando no freio após as fortes altas ontem com notícias preliminares de que a vacina desenvolvida pela Pfizer e pela BioNtech possui 90% de efetividade contra o coronavírus. A possibilidade concreta de termos uma vacina agitou o mercado, e os preços de commodities e empresas que foram afetadas pelas medidas de restrição dispararam, mas a possível demora para imunizar grande parte da população ainda causa incerteza e, pelo menos por enquanto, limita os riscos que os investidores estão dispostos a tomar.

Nos EUA, o presidente eleito Joe Biden já tomou os primeiros passos após a confirmação de sua vitória democrata e anunciou ontem os 13 especialistas que devem fazer parte de seu conselho consultivo contra a Covid-19, reforçando que o país deve tomar precauções após alertas de que vem pela frente um um duro inverno. Na Casa Branca, Donald Trump continua sem reconhecer a derrota e demanda recontagem dos votos por meio de processos no Judiciário. No entanto, com apuração dos últimos votos ampliando a vantagem de Biden, a expectativa é que os processos não alterem o cenário.

O mercado europeu também viu ganhos ontem, mas a euforia da vacina futura foi limitada pela situação presente do continente, que passa por uma segunda onda de infecções, com medidas de isolamento sendo novamente aplicadas, e ainda vê algum caminho a percorrer antes que a vida volte ao ‘normal’.

No Brasil, o Ibovespa fechou o dia ontem em forte alta de 2,6%, chegando ao maior nível desde agosto, puxada pela alta de papéis de companhias aéreas, varejistas e pela disparada do petróleo.

O mercado brasileiro segue na expectativa das reformas fiscais, mas detalhes devem ser indicados apenas após a eleição municipal neste domingo. Com o clima eleitoral, não estão previstas sessões na Câmara nem no Senado.

Também ganhou destaque a decisão da Anvisa de suspender os testes com a vacina Coronavac, que será produzida pelo governo de São Paulo, depois da morte de um participante do estudo. O diretor do Instituto Butantan se disse surpreso com a decisão porque, segundo ele, a morte não teve relação com os testes.

Agenda da Semana
Terça-feira, 10
09h00: EUA – Perspectiva energética de curto prazo da EIA
12h00: EUA – Ofertas de empregos JOLTs mensal (exp: 5,5 milhões; ant: 6,4 milhões)
22h00: Nova Zelândia – Decisão da taxa de juros (exp: 0,25% a.a; ant: 0,25% a.a)
Quarta-feira, 11
08h00: EUA – Relatório mensal da OPEP
09h00: Brasil – venda ampla varejo set (exp: 1,1%; ant: 4,6%)
Quinta-feira, 12
06h00: Europa – Relatório mensal do BCE
09h00: Brasil – volume do setor de serviços IBGE (exp: -6,7%; ant: -10%)
10h30: EUA – IPC-núcleo mensal (exp: 0,2%; ant: 0,2%)
10h30: EUA – Pedidos iniciais por seguro-desemprego (exp: 738 mil; ant: 751 mil)
Sexta-feira, 13
07h00: Europa – PIB trimestral (exp: 12,7; ant: -11,8%)
09h00: Brasil – Atividade Econômica mensal set (exp: 1%; ant: 1,1%)
10h30: EUA – IPP mensal (exp: 0,2%; ant: 0,4%)