O caso da Americanas (AMER3), que está no centro das discussões dos últimos dias, acaba de ter um novo capítulo. Nesta quinta-feira (19), a empresa entrou com um pedido oficial de recuperação judicial em R$43 bilhões devidos a mais de 16 mil credores.
As inconsistências contábeis anunciadas em fato relevante na última quarta (11) levaram a uma sequência de eventos envolvendo os negócios da empresa, incluindo pedido de tutela cautelar, o rebaixamento do rating de crédito da empresa e a divulgação de que o caixa atual da companhia está em apenas R$800 milhões, frente ao número anterior de R$8 bilhões. Tudo isso prejudica a operação do dia a dia da companhia, e culminaram no pedido de recuperação judicial.
Essa chuva de termos financeiros e contábeis, no entanto, pode ter confundido alguns investidores. Por isso, reunimos aqui os principais para que você siga acompanhando o caso e seus desdobramentos daqui pra frente.
Caso Americanas: entenda os principais termos
Recuperação judicial
Quando a empresa envolvida em um problema de natureza financeira não tem os recursos suficientes para cumprir os pagamentos devidos, em valor ou no prazo estabelecido, ela pode pedir recuperação judicial.
A RJ, no jargão do mercado, é um procedimento para que uma empresa possa renegociar suas dívidas ou até suspender pagamentos por um prazo estabelecido, dando a ela tempo para discutir com seus credores qual a melhor alternativa para que tanto eles quanto a companhia passem pela crise em questão.
Os processos de recuperação judicial costumam ser longos, com duração média de três anos no Brasil, mas não há limite máximo. Um caso recente: a RJ da Oi (OIBR3), durou 6 anos e se encerrou em dezembro de 2022.
Quando ocorre a recuperação judicial, é possível (mas não garantido) que os credores consigam recuperar ao menos parte do que haviam emprestado, mas tanto esse valor quanto as condições só são conhecidas ao longo do processo. É nesse momento também que serão conhecidas quais as reais garantias das dívidas da companhia e qual a ordem de prioridade dos credores na hora de fazer os pagamentos (ver “Cascata de pagamentos”).
Vale ressaltar que, a partir do momento que a empresa pede recuperação judicial, a maioria das agências de classificação de risco de crédito (que concedem ratings) e instituições financeiras considera que a companhia entrou em default, equivalente a dar um calote nas suas dívidas. Assim, fica bem mais difícil para a empresa conseguir mais crédito para viabilizar suas operações, que também fica mais caro pelo aumento da percepção de risco dos bancos.
Credores
Toda vez que fazemos um financiamento, existem duas partes envolvidas: quem pega o dinheiro emprestado e quem empresta. Quem empresta, geralmente, o faz cobrando uma taxa de juros, esperando algum retorno financeiro daquela operação.
Quando falamos de empresas, que possuem mais maneiras de captar dinheiro, quem empresta pode ser tanto um banco quanto investidores no mercado, por meio da compra de títulos de renda fixa emitidos pela empresa – as famosas debêntures, ou crédito privado.
Quem empresta o dinheiro nessa operação, sejam bancos ou investidores, são o que chamamos de credores.
Tutela cautelar
A Americanas já tinha um pedido de tutela de urgência cautelar, concedida pela Justiça do Rio de Janeiro na sexta (13), como uma preparação para um possível pedido de recuperação judicial (que se concretizou seis dias mais tarde).
A tutela cautelar é uma medida judiciária para suspender possíveis bloqueios, sequestro ou penhora de bens da empresa por parte de seus credores. Além disso, a empresa também tem suspensos os vencimentos antecipados de suas dívidas ou qualquer outra obrigação por prazo determinado.
Risco sacado
Também chamado de forfait, é uma linha de crédito bancário envolvendo a empresa, seu fornecedor e uma instituição financeira, em que a empresa financia o pagamento ao seu fornecedor.
Nessa modalidade, a instituição financeira libera recursos para pagar o fornecedor enquanto a empresa assume junto à instituição financeira o compromisso de pagar esse valor. A empresa, então se compromete com o pagamento de juros para a instituição financeira de quem pegou emprestado.
Nos casos em que a operação gerar uma extensão do prazo de pagamentos aos fornecedores, é necessário considerar o valor da operação como dívida no balanço da empresa. (Isso não foi feito no caso da Americanas e originou a inconsistência inicial). É uma operação de curto prazo, sendo uma prática comum no mercado para gestão do capital de giro, uma vez que permite a extensão do prazo de pagamento aos fornecedores pela empresa.
Covenant
É uma cláusula muito comum em contratos de emissão de dívida corporativa. Funciona como uma proteção ao credor, estabelecendo algumas regras e restrições que a empresa deve cumprir durante a duração do contrato. Um exemplo é delimitar nesse acordo um valor máximo de endividamento da empresa — afinal, quanto maior a dívida da empresa, menor a flexibilidade financeira e maior a dificuldade de pagamento.
Um tipo de covenant utilizado com frequência é o indicador de dívida líquida / EBITDA, que demonstra o quanto do crescimento da dívida está sendo acompanhado pelo crescimento do resultado operacional da companhia.
No caso específico da Americanas, existe a obrigação de manter esse índice abaixo de 3,5x. Ou seja: a dívida total da empresa, subtraindo o caixa, pode ser no máximo 3,5 vezes o seu EBITDA. No cenário preliminar analisado pelos nossos analistas de adição de R$ 20 bilhões na dívida da companhia, o nível de endividamento da empresa pode ultrapassar 8x (veja nossa simulação).
A depender do que estiver previsto nos contratos, há possibilidade de antecipação do vencimento de dívidas, caso a empresa descumprir aquilo estipulado nos covenants.
Vencimento antecipado
Vencimento antecipado ou aceleração de dívida é outra condição prevista em contratos de endividamento, e uma das maneiras de desencadeá-lo é o não cumprimento dos covenants.
Por exemplo, usando o exemplo acima de um covenant de endividamento: caso a alavancagem da empresa em um determinado período fique acima do que era previsto no contrato, a empresa pode ser obrigada a pagar, antes do vencimento previsto, o saldo devedor a seus credores. Para isto, a companhia vai precisar ter esse valor disponível em seu caixa ou ter um suporte (como aporte de capital de acionistas, por exemplo).
No caso da Americanas, o caixa ao final de setembro de 2022 (último dado disponível) era de R$ 14 bilhões (incluindo recebíveis de cartão de crédito) e a dívida reportada, de R$ 19,3 bilhões. Levando-se em consideração a dívida adicional anunciada anteriormente de R$ 20 bilhões, a companhia teria R$ 40 bilhões a pagar – e seu caixa não seria suficiente em caso de vencimento antecipado.
Cross default
O cross default (calote cruzado) é mais uma cláusula comum a contratos de financiamento, neste caso em companhias que possuem mais de uma subsidiária. É uma antecipação do prazo de vencimento de uma dívida devido a outra inadimplência de uma empresa do mesmo grupo, com o objetivo de proteger o credor de um eventual calote por parte do tomador do financiamento.
Caso uma das empresas do grupo não honre com seus pagamentos de dívida previstos, além de acelerar a dívida da própria empresa inadimplente, outras empresas do mesmo grupo também podem ter suas dívidas antecipadas. Ou seja, o incentivo para manter os pagamentos em dia é ainda maior — e o impacto negativo em caso de não pagamento é ainda mais prejudicial.
Em novembro de 2021, a Americanas realizou a aquisição de 100% da empresa Hortigil Hortifruti S.A. (“Hortifruti Natural da Terra” ou “HNT”). No dia 30 de setembro de 2022, foi aprovada, em assembleia geral extraordinária de acionistas, a incorporação do HNT pela Americanas, passando a ter o mesmo CNPJ. Com isso, as dívidas do HNT, como o CRA Hortigil Hortifruti, passaram a ser de responsabilidade da Americanas, com os covenants realizados a partir dos demonstrativos financeiros consolidados da Americanas, incluindo cláusula de cross default.
Cascata de pagamentos
Quando empresas atingem situação de crise financeira, os credores possuem prioridade no recebimento de eventuais recursos, se comparados com os acionistas (caso venha a ocorrer falência).
No caso de recuperação judicial, a empresa deve apresentar um plano para repagar todos os seus credores. Há um processo após isto, em que credores e empresa negociam os termos, mas todos os credores receberão algum valor – mesmo que em prazos longos e/ou com desconto.
Já no caso de falência, é possível que alguns credores não recebam pagamentos. Por exemplo, suponha que a empresa possui R$ 500 após sua liquidação para serem distribuídos a seus credores. No exemplo abaixo, há recursos suficientes para realizar os pagamentos devidos em sua totalidade para as despesas do processo, obrigações trabalhistas, obrigações com garantia real e tributárias.
No entanto, após o quarto pagamento, sobram apenas R$ 60, ao passo em que há ainda R$ 100 a serem recebidos pelos credores sem garantia. Neste caso, eles receberão apenas os R$ 60 restantes e as demais obrigações (que incluem acionistas) não serão pagas.
Podem ocorrer casos de um saldo inicial ser menor do que as despesas do processo, não restando recursos para nenhum outro credor, ou casos em que é possível cobrir todos os credores — tudo só é conhecido durante o processo.
No caso da Americanas, o processo a ser seguido por ora é aquele de Recuperação Judicial.
Elaborado por:
Bruna Sene, CNPI-T 1847
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