O setor de tecnologia não sai da boca dos investidores ao redor do mundo, e por motivos óbvios:
Como podemos observar no gráfico acima, o setor é o melhor em performance neste ano turbulento de 2020. As empresas que o compõem deixaram de ser vistas como “promessas” de crescimento voluptuoso e passaram a ser consideradas “defensivas”, um lugar que antes era ocupado por companhias centenárias.
Em momentos de estresse de mercado, ações de empresas de tecnologia “fique-em-casa”, como Netflix e Zoom, vêm subindo. Isso porque são empresas onde a interação social acontece virtualmente, e não presencialmente. Logo, elas até acabam se beneficiando de uma recuperação mais “demorada”.
E o e-commerce então…
O setor representava 10% do varejo global em 2014, dobrou para 20% em 2019, e, só nesse ano, deve ter dobrado para pelo menos 40%.
Percebam que, nos parágrafos acima, classifiquei a percepção de valor das companhias: promessas, empresas de crescimento ou defensivas – esse tipo de visão muda a percepção dos investidores sobre o valor de cada empresa.
É o famigerado “valuation“. É o processo que, com base em fundamentos, define se o preço de uma determinada ação está “caro”, “barato” ou “justo”, para a capacidade de gerar valor daquela companhia – em outras palavras: vai mostrar se o investimento na empresa vale a pena ou não.
E para isso, entender o setor de que a empresa faz parte é muito importante: não podemos comparar o valor de uma varejista com uma construtora, por exemplo.
Empresas de Tecnologia
Dito isso, eu pergunto: o que é uma empresa de tecnologia?
A Amazon, uma das maiores varejistas do mundo, jé é considerada uma empresa de tecnologia. O mesmo acontece com a Disney, nascida como uma empresa de entretenimento, hoje é analisada como uma “Tech”.
Ah, e até mesmo na pouco tecnológica bolsa brasileira, o Magazine Luiza tem sido chamado por muitos de Tech, graças à revolução tecnológica que a ela tem vivido.
Pode parecer que não, mas a percepção de valor das companhias muda completamente dependendo da forma com a qual você as classifica. Como o professor Aswath Damodaran, considerado o papa do valuation, costuma dizer: “valuation é uma história contada em números”.
Ele exemplificou a diferença que essa classificação gera na percepção de valor na prática em um relatório que ensina o processo de valuation para você fazer sozinho, e utilizou como exemplo a americana Tesla: será que ela é uma montadora de veículos? Empresa de tecnologia e também uma montadora? Montadora comparável com uma das grandes “Techs”? ou devemos olhar para ela em sua individualidade, imaginando o seu melhor modelo possível como empresa?
Alavancas
Damodaran acredita que, para determinar o valor de uma companhia, é preciso enxergar valor por meio de quatro alavancas:
- Crescimento: a taxa de crescimento da receita controla quanto e com que rapidez a empresa poderá aumentar suas receitas com automóveis, software, painéis solares e qualquer outra coisa que você acredite que a empresa esteja vendendo.
- Lucratividade: A margem operacional (antes dos impostos) determina como a empresa lucrará assim que seus dias de crescimento começarem a diminuir. Como são margens operacionais, não margens brutas ou líquidas, elas representam, afinal, as despesas operacionais (custo dos produtos vendidos, VAG, etc.), mas antes de quaisquer despesas financeiras (despesas de juros).
- Eficiência do investimento: para crescer, as empresas precisam investir em capacidade, e a eficiência da realização dos investimentos é muito importante: o retorno sobre o capital investido (ROIC) deve ser maior que o custo de capital (KE) para determinar quanto de valor é gerado para o acionista.
- Risco: existem duas entradas nessa avaliação que incorporam risco. O primeiro é o custo de capital com o qual inicio a avaliação, um reflexo do risco visto pelos olhos de um investidor diversificado na empresa. O segundo é a probabilidade de falha (ou angústia), em que a empresa precisa liquidar ativos e perder o valor adicional que poderia ter gerado como uma preocupação permanente.
E cada “alavanca” dessa vai se moldar conforme a “história” que você contar para sua tese de valuation. Isso muda o resultado completamente:
No relatório de Damodaran, ele estimou cada uma das alavancas dependendo de uma “história” que queira ser contada para o valuation da Tesla: dela ser comparada com grandes montadoras de automóveis (Big Auto) – uma montadora tecnológica (Auto + Tech) – montadora que pode ser comparada com as grandes “Techs” (Auto FAANG) – ou olhando da perspectiva da companhia em seu melhor estado de indicadores (Make-your-best company / MYB)
Como podemos observar na coluna “Value/Share”, o valor por ação da empresa varia entre 105 e 2.105 dólares, dependendo de qual classe ou setor ela é comparada. Logo, a “história” contada pode te deixar otimista, pessimista ou apenas querer ficar olhando a Tesla de fora.
Mas Collazo, qual dessas “histórias” é a certa?
Isso é muito difícil de se precisar. O mercado financeiro é uma eterna discussão: para todo vendedor de um ativo, que acredita estar se “livrando” a um bom preço, existe um comprador, acreditando estar fazendo negócio a um preço barato.
Justamente dentro disso está uma discussão implícita entre os investidores. Alguns enxergam a Tesla como uma montadora de automóveis “cara”, outros como uma empresa de tecnologia “barata”.
No final, independentemente da “história” que você quer contar para cada investimento, fundamente-se. O motivo pelo qual você entrou deve explicar o porque se desfez de um investimento. Você deve “fazer a lição de casa”, não ficar à mercê de qualquer notícia ou balançada que os mercados deram e darão.
E como Damodaran conclui brilhantemente sobre a Tesla:
“Desde que vendi a Tesla por US$ 640, as ações foram à loucura, subindo acima de US$ 900 em dois dias de negociação. Não é de se surpreender que alguns de vocês tenham me perguntado se tenho algum arrependimento por vender muito cedo. Você pode não acreditar em mim, mas eu não tive.
Tomei minha decisão de comprar com base em minha “história” e avaliação da Tesla, e minha decisão de vender, pelo mesmo motivo, porque sou um investidor que acredita em valor e atua nele. Se eu abandonar essa filosofia para jogar o “jogo do momento”, um jogo em que não sou bom e não jogo muito bem, posso ganhar um pouco mais de dinheiro, mas a que custo? (…) Em um mundo onde enfrentamos divisões intransponíveis em política, religião e cultura, precisamos adicionar investimentos à mistura?
Se você ficou com seu investimento em Tesla, desejo-lhe o melhor e espero que você esteja segurando pelas razões certas, seja porque acredita que seu valor é muito maior ou porque está jogando o jogo dos preços. Se você ficou vendido e perdeu, não sinto alegria por suas perdas e não tenho vontade de fazer uma dança comemorativa. (…) No que me diz respeito, Tesla é uma empresa fascinante, mas é apenas um investimento, não uma questão de vida ou morte, e definitivamente não vale a pena perder o sono e os amigos.“
Por fim, seja agnóstico
Os fundamentos são a ferramenta mais confiável para te guiar em meio a este mercado tortuoso. Como a viagem deve ser longa, provavelmente até o fim de nossas vidas, aprender a manipular essa ferramenta é uma ótima pedida.
E se os fundamentos guiarem para investimentos que não darão certo, ou até mesmo as “histórias” que você decidir contar não forem as mais corretas, saiba mudar de opinião. Não seja um “sócio-torcedor” daquele determinado investimento, não se agarre em barco que esteja afundando, ou mesmo em aviões imaginando que chegarão à Lua.
No fim do dia, não importa você estar certo ou errado, “contar a melhor história” se comparado aos outros, mas sim, buscar o melhor retorno possível ajustado ao risco a que deseja se expor. E para isso, fazer muito bem a “lição de casa” é importante.
Matheusinho sempre me diz: “mais importante do que saber comprar determinada ação, é saber explicar o que aconteceu, caso o investimento dê errado”.