Insight Rico: O mundo só quer pegar fila no postinho de vacinação
Imagine que você tem 4 anos de idade, está chorando enquanto um enfermeiro limpa o seu bracinho para receber a SCR, a famosa tríplice viral, e a sua versão mais velha aparece diretamente do futuro. Ela diz: “não chore, em 2020 tudo o que você mais vai desejar na vida é poder estar em uma situação exatamente como essa”.
Provavelmente o seu eu criança não pararia de chorar e ninguém no recinto acreditaria no que acabou de escutar, mas seria a mais pura verdade. Tudo o que a população mundial mais quer neste ano tão atípico é poder entrar em uma fila de postinho para tomar uma vacina eficaz contra a covid-19.
Essa vontade se reflete nas bolsas. Na semana que passou, ficou nítido o movimento de euforia trazido pela notícia da eficácia de 90% da vacina que está sendo desenvolvida pela Pfizer e pela BioNtech.
A manchete positiva fez com que bolsas saltassem e observássemos uma reversão imediata de tendência de investimentos deixando a aposta em “growth”, ou seja, investimentos com foco em crescimento exponencial, e retornando ao “value” (ou tradicionais, como bancos, commodities) – empresas bem posicionadas que, na visão dos investidores, estão descontadas em relação ao seu valor de mercado justo. Vejá só o ganho relativo entre ações “value” versus “growth” após a notícia – o movimento mais forte das últimas décadas.
Passadas as eleições americanas e de olho nas novas medidas de lockdown em países atingidos pela segunda onda da pandemia, o grande trigger dos mercados a partir de agora será justamente o avanço – ou retrocesso, dependendo do caso – das pesquisas para a viabilização de um imunizante ou um tratamento eficiente contra a doença causada pelo novo coronavírus. Mas o que já sabemos sobre isso?
No mundo, 47 vacinas estão em fase de testes, sendo 10 na fase 3, a última antes de uma eventual aprovação governamental. Até agora, embora não seja mais o único, o imunizante mais adiantado é o da Pfizer + BioNtech.
Para além da manchete, o que a farmacêutica divulgou na segunda-feira passada foi o resultado de um teste, ainda não publicado em revistas científicas, com 94 pessoas com um resultado de eficácia de 90%, bem acima dos 50% exigidos pela FDA (agência de alimentos e medicamentos dos EUA) para uma vacina contra o coronavírus. A empresa disse que continuará os testes até haver 164 casos da doença entre os participantes.
Além da eficácia, a Pfizer informou não ter observado eventos adversos sérios com o uso do imunizante, mas não forneceu mais informações a respeito. Também não há detalhes sobre a eficiência do produto especificamente em grupos de risco – informações sobre o perfil dos participantes dos testes só serão reveladas mais para frente. Por fim, precisamos entender se a vacina é eficiente quando administrada em pacientes infectados, mas assintomáticos, e se pode evitar a reinfecção de quem já possua anticorpos.
Tá, e quando chega a vacina?
Espera-se mais informações sobre os pontos acima em dezembro, quando, segundo o presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, a vacina já deve estar em vias de ser distribuída na Europa e nos Estados Unidos para um grupo restrito. No Brasil, caso as etapas de verificação de eficácia junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avancem, o imunizante poderá ser disponibilizado no primeiro trimestre de 2021, de acordo com ele, que falou em um evento na semana passada.
Para todo o mundo 50 milhões de doses da vacina da Pfizer estarão disponíveis em 2020 e 1,3 bilhão em 2021, mas vale lembrar que a população em geral não será vacinada na primeira fase de liberação – isso só deve começar a ocorrer no segundo semestre de 2021. Vale lembrar, ainda, que são necessárias duas doses da vacina para cada pessoa – então 50 milhões de doses significa potencialmente imunizar 25 milhões de pessoas.
Além de acelerar a produção, espera-se que tecnologia inédita da vacina da Pfizer, de RNA-mensageiro, tenha uma “vida útil” mais longa que a conhecida em outras vacinas – algo que ainda precisa ser confirmado. Mas ela traz um desafio logístico, falando especificamente em Brasil: as doses precisam ser refrigeradas em freezers muito mais potentes que os disponíveis em postos de vacinação.
A solução dada pela empresa seria o desenvolvimento de embalagem que consegue conservar a vacina a -70ºC por até 15 dias usando apenas gelo seco. Esta embalagem já foi apresentada ao governo local e pode ser negociada junto com a vacina, mas certamente significa um gasto alto para os cofres públicos brasileiros, ainda que a ideia da companhia seja dividir o produto em três faixas de preço (mais caro para países desenvolvidos; preço intermediário para países médios, incluindo o Brasil; e mais barato para países menos desenvolvidos, como a Bolívia).
Mas pode ser que o problema se resolva de forma ainda mais simples. A vacina da Moderna Inc., que usa a mesma tecnologia de RNA-m, tem uma exigência de temperatura de armazenamento em -4ºC, segundo a empresa, facilmente alcançada por freezers comuns. Os testes dessa vacina também deram maior visibilidade de imunização de pacientes maiores de 65 anos.
E a Moderna está “colada” na Pfizer em velocidade de desenvolvimento. Ontem, a companhia divulgou eficácia de 94,5% nos 95 casos da doença entre os participantes de seus testes. Sua aprovação junto aos órgãos governamentais e início da distribuição deve ocorrer em um intervalo muito similar ao da Pfizer, já que a diferença entre as divulgações positivas foi de apenas uma semana. A Moderna terá 20 milhões de unidades de sua vacina produzidas já em 2020, potencialmente imunizando 10 milhões de pessoas.
Outras vacinas em fase de testes incluem a desenvolvida pela AztraZeneca em parceria
com a Universidade de Oxford, que custará US$ 3,16 por dose aos cofres públicos, segundo informação recente da Fiocruz (as outras chegam a custar dez vezes mais) e a Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa SinoVac e que tem parceria com o Instituto Butantan. Esta última chegou a ter os testes pausados temporariamente na última semana, mas as pesquisas já foram retomadas.
Beleza, mas o que esperar dos mercados?
Para a bolsa brasileira, movimentos como o da semana que passou, penalizando empresas da nova economia e de compra para empresas da “velha economia” são positivos, dado que nosso Ibovespa tem pouca exposição a setores como tecnologia e depende muito de commodities e bancos, por exemplo.
Mas, embora os testes já tenham avançado consideravelmente, como vimos, ainda não há garantias suficientes de que a imunização da população ocorrerá a tempo de evitar novos reveses econômicos relacionados à pandemia.
Para dar alguns exemplos, os casos de coronavírus nos Estados Unidos estão mais altos que nunca, a Europa já tem diversas economias parcialmente fechadas, o que deve se refletir nos indicadores do quarto trimestre, e a maior cidade brasileira, São Paulo, acendeu sinal de alerta para um aumento de ocupação nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs).
Em resumo: ter vacina é obviamente bom, mas precisamos saber o tamanho do estrago do período sem vacina antes de comemorar. Até haver uma informação sólida sobre esses tratamentos, a volatilidade dependerá, em grande medida, das notícias para um lado ou para o outro – o que torna ainda mais importante focar no longo prazo e diversificação de ativos em termos de estratégia de investimento.
Resumo do dia: Mercados na fila do postinho de saúde
(por Lucas Collazo)
Mercados amanhecem em leve queda nesta terça-feira, após muitos terem atingido suas máximas históricas ontem: nos EUA, os índices futuros caem entre 0,2% e 0,5%, com exceção do Nasdaq que sobe 0,2%. Já na Europa, o Stoxx 600 cai 0,1%.
A discussão sobre novos pacotes de estímulo fiscal segue viva. Na Europa, um pacote de resgate de EUR 750 bilhões vai precisar de negociações adicionais. Hungria e Polônia, que já carregam desentendimentos com a União Europeia em função de ameaças de sanções por liberdade de expressão e independência do judiciário, votaram no veto do pacote.
E por mais que o Insight de hoje esteja uma verdadeira aula sobre vacinas, no resumo do dia não teria como escapar de falar sobre o que tem mais influenciado nos mercados nestes últimos dias: após as notícias positivas sobre a solução desenvolvida pela Pfizer, a Moderna Inc. também trouxe grande motivo de otimismo para os investidores – sua vacina apresentou uma eficácia de 94,5% nos testes da terceira fase. Sem dizer que a vacina da Moderna resiste até 10 horas em temperatura ambiente, o que facilita a distribuição.
Com isso, mais uma vez os investidores discutem uma rotação em suas carteiras, saindo das empresas “fique em casa” para as empresas “fora de casa”, ou mesmo companhias mais alavancadas (com maior endividamento) passam a ser alvo de alocação novamente:
Acima vemos o movimento das empresas “fique em casa”, que se beneficiaram muito durante o pico dos isolamentos, e que passam a dar mais espaço para empresas alavancadas e as “fora de casa”:
Além disso, os bancos de investimento no exterior têm recomendado cada vez mais compra de bolsas fora dos EUA, diminuição de investimento em empresas de tecnologia americanas (US Tech), e falado em dólar mais fraco. Isso ainda está longe de ser um consenso absoluto entre os investidores (crowded trade) – porém, para o Brasil se beneficiar deste movimento, precisaremos demonstrar maior endereçamento da questão fiscal e mudanças na política ambiental.
Agenda da Semana |
Terça-feira, 17 11h15: EUA – Produção industrial de outubro (exp: 1,0%; ant: -0,6%) 20h30: Japão – Balança comercial |
Quarta-feira, 18 04h00: Reino Unido – IPC mensal (ep: -0,1%; ant: 0,4%) 07h00: Europa – IPC mensal (ep: 0,2%; ant: 0,2%) 09h00: Brasil – 2a prévia inflação IGP-M (ant: 2,9%) |
Quinta-feira, 19 07h00: Europa – Produção de construção (ant: 2,6%) 10h30: EUA – Novos pedidos de seguro-desemprego 12h00: EUA – Índice antecedente (exp: 0,7%; ant: 0,7%) 22h30: China – Taxa básica de juros de crédito 5 anos (exp: 4,7%; ant: 4,7%) |
Sexta-feira, 20 07h00: Europa – Confiança do consumidor (exp: -18; ant: -15,5%) |