Nos últimos cinco anos, o Brasil viu surgir uma tendência preocupante: os gastos das classes D e E com apostas esportivas, popularmente conhecidas como “bets”, dispararam, quadruplicando nesse período.
Enquanto isso, o dinheiro que poderia ser usado para um passeio em família, um curso de aprimoramento ou até uma reserva para emergências acaba sendo perdido em uma jogada arriscada. Essa mudança no jeito de gastar revela um problema sério, que atinge em cheio as famílias de menor renda.
O que são apostas esportivas?
As apostas esportivas são uma forma de entretenimento onde as pessoas apostam dinheiro em eventos esportivos, na esperança de ganhar com base no resultado do jogo. Embora possa parecer uma maneira divertida de torcer pelo seu time favorito, as apostas carregam riscos financeiros significativos.
A explosão das apostas esportivas no Brasil
As apostas esportivas em plataformas explodiram no Brasil após a Lei nº 13.756 ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Michel Temer no final de 2018. Com essa regulamentação, o mercado de apostas online se expandiu rapidamente, atraindo milhões de brasileiros.
Com a operação desde 2018, a regulamentação de apostas esportivas foi sancionada no final de dezembro, definindo regras como modelo de tributação, condições para obter licença e restrições de público.
E o resultado foi impressionante: entre 2018 e 2023, os gastos com apostas aumentaram 419%, evidenciando o crescimento dessa prática no país.
Nesse contexto, as apostas passaram a representar uma parcela cada vez maior da renda de famílias. Uma análise da Strategy & Brasil, indica que a parcela dedicada a apostas parte do orçamento familiar de famílias das classes D e E subiu de 0,27% em 2018 para 1,98% hoje – um salto de quase quatro vezes.
Em contrapartida, os gastos com lazer e cultura caíram de 1,7% para 1,5% do orçamento, enquanto os gastos com alimentação permaneceram estáveis. A principal motivação declarada pelos apostadores dessas classes é “ganhar dinheiro”, mas apenas 23% dos entrevistados relatam que terem conseguido ganhar mais do que perder com apostas.
Apesar de ainda não haver estudos comprovando uma relação causal entre a piora da situação financeira das famílias e o maior gasto com apostas (ou seja, que uma coisa explica a outra), é crescente o número de evidências que apontam para uma relação – no mínimo – prejudicial.
Para ilustrar, uma pesquisa realizada pela SBVC (Associação Brasileira de Varejo e Consumo) revelou que 63% dos apostadores afirmam que tiveram a renda comprometida por conta do hábito [de apostar]; enquanto 23% deixaram de comprar roupas para realizar as apostas, 19% itens de mercado e 19% viagens.
Ou seja, a mesmo tempo em que ocupam espaço cada vez maior na renda das famílias, os gastos com apostas também têm comprometido a situação financeira de muitos brasileiros.
O que são as classes D e E e por que elas são mais afetadas?
As classes D e E são categorias econômicas utilizadas no Brasil para identificar as faixas da população com menor renda. Elas são definidas com base na renda familiar mensal:
- Classe D: Inclui famílias com uma renda mensal entre aproximadamente R$ 2.000 e R$ 2.400.
- Classe E: Compreende as famílias que ganham até cerca de R$ 2.000 por mês.
As classes D e E tendem a ser mais vulneráveis a esse tipo de gasto devido à menor disponibilidade de recursos e à busca por formas rápidas de melhorar a renda. A falta de conhecimento sobre os riscos e a baixa educação financeira contribuem para que famílias de menor renda vejam as apostas como uma oportunidade de ganho fácil, sem considerar – ou ter conhecimento pleno de – os riscos envolvidos.
As apostas são investimentos?
A pesquisa conduzida pela Anbima indicou que uma parcela significativa dos apostadores brasileiros considera as apostas esportivas como uma forma de investimento.
Essa percepção é mais comum entre jovens adultos e pessoas com menor educação financeira, o que tem um impacto relevante nas classes de menor poder aquisitivo. A pesquisa destacou que muitos apostadores acreditam que podem obter retornos financeiros consistentes com base em seu conhecimento sobre esportes e estratégias de apostas.
É importante entender que apostas esportivas não são um investimento. Investir é aplicar dinheiro de forma planejada e estratégica, buscando retornos a longo prazo com base no seu perfil de investidor, seus objetivos, conhecimento e – acima de tudo – com segurança.
Já as apostas esportivas são uma atividade de alto risco, onde o resultado depende muito mais da sorte do que de qualquer outro fator. Ao contrário de um investimento, que pode gerar ganhos consistentes ao longo do tempo, as apostas podem resultar em perdas frequentes, comprometendo seriamente o orçamento familiar.
A confusão entre esses conceitos pode levar as pessoas a acreditarem que estão “investindo” ao apostar, quando na verdade estão se expondo a grandes riscos financeiros. Inclusive, investir sem um objetivo claro e definido pode levar a expectativas irreais de ganho rápido, sem pensar nos riscos.
A importância da Educação Financeira
Essa pesquisa serve como alerta. Enquanto as apostas esportivas podem parecer uma saída financeira “simples e divertida”, elas representam um risco real ao orçamento familiar – especialmente para famílias de baixa renda.
A chave para mudar esse cenário é o acesso ao conhecimento e o acesso à educação financeira, que tem o potencial de capacitar pessoas a fazerem escolhas mais conscientes e seguras com o seu dinheiro.
Entender como gerenciar o dinheiro, conhecer os riscos das apostas e aprender sobre os tipos de investimentos pode fazer toda a diferença na vida de muitos – especialmente aqueles que enfrentam dificuldades financeiras, como é boa parte da população brasileira de baixa renda atualmente. Ao invés de buscar ganhos rápidos e incertos, a educação financeira oferece ferramentas para construir uma vida financeira mais segura e estável a longo prazo.
A educação financeira permite que as pessoas identifiquem e aproveitem oportunidades de investimento que podem aumentar seu patrimônio ao longo do tempo. Isso inclui entender os diferentes tipos de investimentos e como eles se alinham com seus objetivos e perfil de risco.
Simulação prática: o custo de uma aposta
Vamos imaginar uma situação prática. Suponha que uma família de classe D ou E aposte R$ 219,00 por mês durante um ano.
Esse valor pode parecer pequeno, mas ao final de 12 meses, terá sido gasto um total R$ 2.628 apenas com apostas.
Se ao invés de apostar, essa pessoa tivesse investido esse dinheiro em uma aplicação de renda fixa pós fixada com um rendimento de 10,50% ao ano, ela teria cerca de R$ 2.752,19 ao final de um ano. Em cinco anos, esse valor poderia crescer para aproximadamente R$ 16.970,46, o equivalente a 12 meses de salário mínimo — prova de como a consistência pode fazer a diferença.
Período | Aporte mensal (R$) | Juros acumulados (R$) | Valor final (R$) |
1 ano | 219,00 | 124,19 | 2.752,19 |
5 anos | 219,00 | 3.830,46 | 16.970,46 |
Agora, compare isso com as perdas possíveis nas apostas, onde muitas vezes todo o dinheiro “investido” se vai em uma aposta malsucedida. Somado a isso, a possibilidade de vieses comportamentais, como a explicada na falácia do jogador, fazer com que a pessoa aposte mais do que o inicialmente previsto, por achar que após uma série de perdas, uma vitória é “devida” ou “iminente”.
O que é falácia do jogador?
Conhecida também como a falácia do jogador ou a falácia de Monte Carlo, a teoria foi inicialmente delineada por Amos Tversky e Daniel Kahneman em 1971. Essa concepção errônea envolve a crença de que se um evento ocorreu com maior frequência do que o esperado recentemente, a probabilidade de sua ocorrência no futuro diminui, e vice-versa. Em termos simples, aqueles que caem nessa falácia acreditam que padrões passados têm a capacidade de prever resultados futuros, mesmo quando os eventos são estatisticamente independentes.
Como se tornar um investidor ou investidora?
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